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Críticas

Cineplayers

Extremamente violento, o filme choca pela crueza das imagens, e a mensagem é: "violência não é legal".

8,0

Pude finalmente conferir o tão aclamado novo trabalho de Gaspar Noé na direção, destaque no Festival de Cannes em 2002. Esse filme vem sendo conhecido por ser um dos campeões de afastar as pessoas de dentro dos cinemas. E não só as pessoas desavisadas, que assistem a um filme que é totalmente diferente do que esperavam, o que acontece regularmente; também as pessoas de estômago fraco e que não gostam de violência, ou ao menos não estão preparados para ela de forma tão explícita. Irreversível tem duas cenas especialmente violentas: em uma delas um personagem utiliza um extintor de incêndio para desfigurar totalmente a cara de um homem; noutra, uma mulher é estuprada dentro de um túnel e depois espancada até ficar em coma.

O “problema” aqui é que essas duas cenas são mostradas sem censura, sem cortes, e em tempo real. Você vê o rosto e a carne saindo da pele, e você vê toda a cena do estupro, do início até o fim. Essas cenas já revoltaram muitos críticos e boa parte do público. Mas são cenas filmadas com grande coragem por Noé, que resolveu abrir mão, dessa forma, do sucesso comercial do filme para o bem do realismo. Mas a pergunta que eu me fazia ao ver tais cenas era se isso não poderia ser considerado violência gratuita. É uma questão importante, afinal, qual o ponto em exibir tais cenas da forma que foram exibidas? O objetivo foi chocar, para tentar passar a mensagem do filme da melhor maneira possível. Afinal, são duas das cenas mais violentas que já vi no cinema, sobretudo a do assassinato com o extintor. A cena do estupro, que é feita pela atriz Mônica Bellucci (o filme foi lançado bem antes de Matrix Reloaded, só para situar você), é bem menos cruel para com seus atores, pois é mostrada de um ângulo bem mais desfavorável para o espectador.

Noé resolveu utilizar em seu filme, também, um estilo narrativo que relembra o recente Amnésia. A primeira seqüência do filme é na verdade o final da história, e a partir dela são colocados segmentos, a maior parte deles cenas de no máximo 10 minutos, que são encaixados com o segmento anterior ao seu final. Então a primeira coisa que vemos são os personagens Marcus e Pierre saindo de uma boate gay no início do filme, indo para o hospital sobre macas e escoltados pela polícia. O início confuso só vem a ser completamente esclarecido lá pela metade do filme (por isso pode ser interessante revê-lo, assim como acontece com Amnésia), quando descobrimos que os dois estão atrás do estuprador de Alex, a personagem de Bellucci.

O filme passa uma mensagem bem forte, principalmente contra a vingança. Não vou passar aqui nenhum outro grande spoiler do filme, mas é outro filme em que a mensagem não está escancarada na sua frente, algo que eu já havia comentado ter acontecido em filmes como Por um Sentido na Vida, e que também acontece em outros trabalhos de diretores que se importam com o roteiro, como Shyamalan e seu Sinais. É bom parar e pensar, ao final, no que você acabou de ver. A crueldade das imagens ajuda, certamente elas ficarão marcadas em sua mente por um tempo.

A história em si é simples, e se fosse contada linearmente seria de muito mais fácil entendimento, o que, é bom deixar claro, não é um fator negativo. Mas a edição é primorosa (um dos destaques do filme), e Noé soube dosar bem todas as cenas. As imagens são cruas e tremidas, em boa parte num ritmo nauseante, lembrando um pouco o estilo que Beto Brant utilizou em O Invasor, outro filme com edição rápida, ágil, e com fotografia parecida com Irreversível. Paris é fotografada quase da mesma maneira que São Paulo o foi no filme de Brant: imagens escuras e feias, sem preocupação em passar uma imagem positiva do lugar. Outro destaque da direção são as tomadas, a maior parte do filme é executado em tomadas longas e sem cortes (a cena do metrô, por exemplo). Pessoalmente, adoro esse tipo de coisa, pois vê-se que o filme é apoiado geralmente no roteiro, e não apenas na edição (embora ela aqui seja também incrível, como foi acabado de ser comentado).

As interpretações dos três protagonistas são fenomenais, intensas e cheias de energia. É claro que o roteiro e a maneira que ele é filmado ajudam muito os atores, fazendo o filme não depender apenas de suas interpretações para ser marcante. Bellucci, uma atriz ainda em ascensão (e que ainda precisa provar que é realmente boa, mas está indo pelo caminho certo), possui as cenas mais difíceis, obviamente a cena do estupro deve ter sido uma das mais difíceis de sua carreira. Mas em todas as suas cenas ela prova que é uma atriz de grande mérito. Já os outros atores, Vincent Cassel (que faz o atual namorado de Alex) e Albert Dupontel (o ex de Alex) demonstram muita força, sobretudo nas cenas iniciais (lembrando que esse é o final da história), na caçada pelas ruas pelo estuprador.

Irreversível é um filme diferente do normal, com uma edição inovadora (os próprios créditos iniciais já demonstram isso), uma história comum na superfície, mas contada com tamanha genialidade que se torna algo bem acima da média, graças à coragem de seu diretor e talento e ousadia de seus atores. Talvez é violento demais. Não sou contra a violência nos filmes, posso assistir a todo tipo de coisa de cabeça aberta e sem preconceitos, mas a impressão é que Noé exagerou um pouco, principalmente na metade inicial do filme (há bem mais do que apenas aquelas duas cenas descritas lá em cima), quando realmente não precisava. Recomenda-se estômago forte e mente aberta para assistir ao filme sem se sentir ofendido. No mínimo, Irreversível é uma experiência bastante interessante, pro bem ou pro mal.

Comentários (2)

viktor simoes thomaz de oliveira | quarta-feira, 05 de Outubro de 2011 - 13:12

"A primeira sequencia do filme e na verdade o final da historia..." "Entao a primeira coisa que vemos sao os personagens Marcus e Pierre saindo de uma boate gay no inicio do filme..."
Correçao: A primeira sequencia do filme nao é essa,excluindo a hipotese de voce ter visto uma versão com cenas cortadas.Aconselho a ver os trabalhos anteriores do cineasta,e luzes brilharão. -vk-

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