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Críticas

Cineplayers

Apenas um bom thriller, pois suas pretensões se perdem em meio à tanta ambição.

6,0

É interessante observar a meteórica carreira de Fernando Meirelles. Um muitíssimo bem-sucedido publicitário que se tornou um cineasta consagrado em todo o mundo logo em seu quarto filme, Cidade de Deus, um dos melhores filmes de todos os tempos. Foi um passo natural, portanto, ele tentar começar uma carreira internacional. A escolha foi das mais corretas: nada de esquemão hollywoodiano, pressão de produtores e egos inflados de astros. Meirelles optou por ir trabalhar com produtores ingleses, com os quais teria maior liberdade, e com atores de verdade, nada de astros.

Essa combinação poderia ter gerado um grande filme, uma grande estréia para Meirelles lá fora. Poderia, mas não gerou. O culpado? É fácil apontar: o livro de John Le Carré, que é a base de todo o filme. Não que ele seja ruim, nada disso, mas porque simplesmente é intrincado demais para ser transposto em pouco mais de duas horas de filme. E não é culpa do roteirista Jeffrey Caine (mais conhecido por ter escrito 007 Contra Goldeneye), já que é visível seu esforço em tornar a trama mais simples possível sem interferir em seu conteúdo. Então, o que deu errado? É simples. Por mais que os envolvidos tenham se esforçado, o filme jamais deixaria de ser um thriller. Muitíssimo bem produzido, dirigido, interpretado. Mas o que permanece na memória, após o acender das luzes do cinema é simplesmente isso: um thriller. E poucos filmes do gênero conseguiram superar esse obstáculo, este estigma.

Por isso mesmo é estranha a forma como a imprensa especializada vem recebendo o filme, com grande aclamação, principalmente a norte-americana, que o classificou como um dos grandes filmes do ano e cotado, inclusive, ao próximo Oscar. Mas é outra questão fácil de entender: em uma indústria abarrotada de arrasa-quarteirões idiotas e descerebrados, basta surgir um filme minimamente inteligente, com um diretor quente e atores consagrados, para que todo esse burburinho tomasse forma. De qualquer jeito, duvido muito que o filme tenha cacife e fôlego para a temporada de premiação que já está prestes a se iniciar (ele competiu no último Festival de Veneza, de onde saiu de mãos abanando). Mas, como o ano está fraquíssimo até agora, tudo pode acontecer.

No filme, Ralph Fiennes (que não aparecia na telona desde Encontro de Amor, de 2002, e que esse ano apareceu ou aparecerá em seis filmes!) é Justin Quayle, tranqüilo e discreto diplomata inglês de carreira, que nas horas vagas se dedica à jardinagem (por isso o estranho nome do livro e, conseqüentemente, do filme) que é tomado por assalto em uma coletiva de imprensa por uma impetuosa ativista social, Tessa (Rachel Weisz). Os dois pólos opostos se atraem e acabam se casando. Eles continuam suas vidas em paralelo; ele viajando pelo mundo, ela vivendo no Quênia, um dos países mais pobres do mundo, onde continua prestando assistência. Só que Tessa é descoberta e brutalmente assassinada em uma área remota do país africano, com indícios de crime passional, já que a pessoa que estava ao seu lado na hora do crime, Arnold Bluhm (Hubert Koundé), está desaparecido, e ambos tinham uma forte ligação anterior.

Só então Justin finalmente descobre estar apaixonado de verdade por Tessa, e começa uma busca desenfreada para descobrir o que realmente aconteceu. Suas descobertas vão muito além do imaginado. Tessa estava desembaratando um esquema envolvendo o governo inglês e uma grande empresa farmacêutica, que, em troca de ajuda humanitária, testava inescrupulosamente um novo medicamento na população queniana. Então, a vida de Justin também passa a correr perigo.

Meirelles novamente mostra o porquê de ser considerado um dos melhores e mais respeitados diretores da atualidade. Ele, que substituiu Mike Newell quando este deixou a produção para dirigir Harry Potter e o Cálice de Fogo, entrega um filme não muito ágil, mas coeso, relevante e perfeitamente dirigido. Meirelles diferencia os dois mundos de seu filme em estéticas opostas: na paisagem africana, muita câmera na mão, cortes ágeis (exceto os belíssimo travelings sobre a paisagem queniana) e cores quentes, enquanto o mundo de Justin é esverdeado, frio, com a câmera agindo mais como observadora que como parte da ação.

Quanto à construção dos personagens, destaque absoluto para Rachel Weisz. Ela, que foi a que mais teve dificuldades para conseguir o papel (teve que disputar com gente muito mais famosa que ela, como Nicole Kidman), está bela, magnética, com uma garra impressionante. Ela chega a iluminar a tela toda a vez que aparece. Já não é o caso do Ralph Fiennes, tranqüilamente um dos maiores atores da atualidade. Não por sua culpa, pois está perfeito como sempre, mas simplesmente por causa da personagem, que causa pouca ou nenhuma identificação com a platéia por seu jeito frio, britânico de ser - algo até esperado. Mas, em um filme de ação, ter um personagem principal carismático é essencial, e isso é um problema ao transpor o livro fielmente para o cinema. O que pode funcionar na literatura nem sempre funciona na tela grande. E a pior coisa do filme é o personagem de Bill Nighy, o típico vilão inescrupuloso e unilateral.

A grande quantidade de flashbacks também incomoda. Não estou dizendo que uma narrativa mais linear seria a mais apropriada (o livro é todo fragmentado), mas essas interseções quebram consideravelmente o ritmo e o andamento do filme. O epílogo também não me deixou satisfeito, já que é sentimental demais, como se fosse proposital a intenção de fazer chorar. Nada mais fora do contexto de um filme tão sério. Aliás, ele funciona muito mais no aspecto romântico que como trama de ação, mesmo com seu lado de denúncia muito forte.

E o filme acaba em um meio termo. Ao ficar indefinido entre a denúncia (como faz tão bem Costa-Gravas) e as ambições comerciais, o filme não chega a se perder, mas fica muito aquém de toda a expectativa gerada ao redor do projeto. Resultou, como disse lá em cima, em um bom thriller. E nada mais.

Comentários (2)

Renata Correia Nunes | segunda-feira, 08 de Julho de 2013 - 00:37

Mal consegui terminar de assistir a essa chatice. Nem como thriller pra mim esse filme funcionou.

Walter Prado | segunda-feira, 08 de Julho de 2013 - 09:52

Vi uma vez só, e na época do lançamento em DVD, mas lembro de ter gostado muito...

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