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Críticas

Cineplayers

O mistério do cinema.

10,0

Quando acompanhei o VII Janela Internacional de Cinema do Recife, no fim do ano passado, celebrei em Força Maior a maneira como o filme não se fecha a determinadas leituras, permitindo-se até mesmo entendimentos opostos. Mas perdi, no festival, a exibição de um filme ainda mais fascinante nesse sentido. Ainda além de se abrir a leituras, Jauja, de Lisandro Alonso, constrói-se sobre a impossibilidade de interpretação.

Se, como críticos e leitores, agimos sobre o filme e implicamos significados resolvidos a ele, estamos confrontando violentamente a sua não solução. Ao mesmo tempo, a falta de soluções em uma série de imagens, embora possa encantar audiências tanto quanto ultrajá-las, é por si mesma um enfrentamento ao significado. Ou seja, ao se abrir para não concluir nada, a imagem em Jauja é um desafio a toda imagem resolvida em si mesma.

Não podemos dizer, no entanto, que Jauja “não diz nada”. O filme é uma página em branco na sua relação com o leitor, o que será deixado na página é completamente relativo a cada experiência. É verdade que isso pode ser dito de todo bom filme, como Força Maior, mas Jauja radicaliza com a diversidade de existências que o filme pode terminar experimentando. Certamente há poucas pessoas que viram o mesmo Jauja. Pelo prazer da experiência, gostaria que o filme fosse amplamente visto e que cada um pudesse descrever o que viu, mesmo que apenas aquilo que entendessem como “a história”. De minha parte, tenho certeza que não vi o mesmo Jauja que poderia ter visto no Janela ou mesmo o que teria visto se fosse ao cinema um dia antes ou que verei quando rever o filme. Acho que poucos filmes podem ser tantos filmes quanto Jauja.

Quando vi Jauja, eu tinha lido alguma coisa sobre o filme e visto algumas de suas belas imagens. Influenciado por uma suposição do filme (de dois filmes, na verdade), escolhi pagar uma dívida antiga da minha cinefilia um dia antes de ir ao cinema. O meu Jauja acompanhou o meu Piquenique na Montanha Misteriosa, de Peter Weir, um clássico do novo cinema australiano que eu também conhecia algo sobre sem nunca ter visto.

Os dois filmes estabelecem entre as suas imagens e nas suas faltas um diálogo fabuloso (no sentido de ser uma maravilha à parte dentro do cinema, mas também pelo caráter fantástico dos eventos que se desenvolvem dentro dos dois filmes). Em Piquenique na Montanha Misteriosa, três garotas e sua professora de matemática desaparecem numa paisagem da Austrália, deixando uma série de pistas que não levam a lugar nenhum. Sabe-se que, ao exibir o filme pela primeira vez, Weir recebeu uma oposição violenta de um produtor que criticou a falta de respostas em um filme de mistério. Hoje, é unânime que o filme é uma obra-prima talvez justamente porque não revela a nenhum de nós o que aconteceu, nem mesmo o entendimento de Weir do que aconteceu. O que está claro, pelas suas imagens, é que a magnífica paisagem surtiu um efeito de atração e encanto sobre as pessoas que desapareceram e que o desaparecimento atinge toda a estrutura social e humana de uma Austrália sem resposta. O encanto das personagens para com a paisagem e o desespero da não-resposta podem ser refletidos na experiência de cinema.

Em Jauja, a paisagem e o desaparecimento também estão presentes na imagem. Cada plano das pradarias argentinas é responsável também por ocultar Ingeborg (Viilbjork Malling Agger), a filha em fuga de Gunnar (Viggo Mortensen). A paisagem e a não presença de Ingeborg agem sobre Gunnar. Enlouquecendo-o? Transcendendo-o? Cada pessoa em uma sala de cinema descreverá de um jeito o que está diante de seus olhos, mas isso é apenas porque cada um verá algo diferente.

Pedro de Biasi, também crítico deste site, leu em algum lugar que o protagonista do filme seguia um “shaggy dog”. Ao pesquisar o termo, ele encontrou “Uma história de shaggy dog é uma anedota longa caracterizada por uma narração extensiva de incidentes tipicamente irrelevantes e concluída por um anticlímax ou revelação sem sentido”.

Ainda assim, não é fascinante que, ao ocultar o máximo de narrativa e revelar o máximo de mistério da divindade na natureza e no tempo, a imagem em Jauja consiga transcender os limites do que a constitui e se torne mutável? Não posso dizer que Jauja seja algo além de um mistério da imagem, da visão e do cinema, mas acho que isso é o máximo que um filme pode chegar a ser. Assim, ele representa para minha cinefilia talvez o mesmo que o próprio cinema, um conjunto de imagens sem sentido algum cuja única utilidade seja dar sentido a tudo.

Comentários (2)

Gian Couto | quarta-feira, 15 de Julho de 2015 - 17:28

Parabéns pela crítica. Ta com cara de ser muito bom mesmo esse.

Augusto Barbosa | quarta-feira, 15 de Julho de 2015 - 18:07

A nota do Tavares há algum tempo me chamou a atenção pra esse filme aqui, que verei logo logo.

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