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Críticas

Cineplayers

Baseado na história infeliz de um imigrante brasileiro em Londres, filme reconstrói a trajetória comum de Jean Charles.

5,0

Situados na contemporaneidade, temos sido testemunhas constantes de problemas ao redor de questões como imigração, ilegalidade e intolerância, principalmente na relação sempre tensa entre países historicamente ricos versus os historicamente periféricos. Esse talvez seja um bom ponto de partida para pensarmos o enredo de Jean Charles, baseado na história do mineiro cujo nome dá título ao filme e que, confundido com terroristas, foi assassinado dentro do metrô de Londres em 2005.

Difícil imaginar um roteiro com esse mote que não apele pro dramalhão fácil, mas o carisma do protagonista Selton Mello e a perspectiva pela qual Henrique Goldman – diretor e co-roteirista – aborda o cotidiano do personagem nos faz até esquecer do que se trata a história deste rapaz. Somos apresentados a um tipo comum e simpático que tece vários níveis de relação pessoal ao seu redor, montando uma rede de contatos com brasileiros também exilados que se ajudam mutuamente.

Nesta perspectiva, o personagem Jean Charles é mostrado como alguém que aproveita todas as chances e brechas que aparecem para se fixar cada vez mais na intimidade de Londres, levando sempre um novo amigo ou parente para fortalecer o grupo e a permanência por lá. E é por esse caminho que a trama transcorre: Sem surpresas e com a virada marcada pelo episódio do assassinato – antecipadamente conhecido -, somos testemunhas de um trajeto que coloca o personagem como homem comum que está buscando a sorte longe de casa (fato reiterado a todo o momento), sem saber do que vale essa reafirmação constante sobre o caráter do rapaz, associada a várias inserções de trechos de programas da TV inglesa que servem para atualizar o espectador da tensão em torno do terrorismo, crescente no período próximo ao episódio que aconteceu com o brasileiro.

Essa atitude, que podemos chamar de “pedagógica”, prepara para o desfecho e parece servir apenas para preencher o recheio de um filme cujas intenções talvez fossem melhor aproveitadas num documentário, que teria o mesmo vigor de salvaguardar a memória do personagem Jean Charles, aquele que esteve envolvido num estúpido engano de policiais que antes de atestarem qualquer envolvimento do brasileiro com o terrorismo, escolheram atirar.

Para uma coisa serve bem a mensagem do filme: lembrar que a repetição distraída do cotidiano pode às vezes esconder uma tragédia inesperada.

O filme é dividido em duas partes, antes e depois do assassinato, com a primeira focada em apresentar Jean e sua vida em Londres através de uma curva de emoções em que o vemos quase ascender socialmente, para logo em seguida cair no ostracismo do distribuidor de panfletos que chora ao telefone numa conversa com a mãe que está distante. Aliás, esta cena pode facilmente ser marcada como o melhor ponto dramático da trama.

Depois do assassinato, a trama se alonga nas reverberações familiares da tragédia, sem no entanto problematizar o conteúdo de um incidente de ordem internacional como este. E ainda nos aguarda ao final a virada de uma personagem até então apagada: Vivian (Vanessa Giácomo), a prima que chega para viver com Jean logo no início do filme e que cujo papel serve de suporte a estratégia do roteiro de nos apresentar Londres pelos olhos do protagonista, supera a morte do primo e parte em busca de uma vida diferente do que parecia planejado e inevitável para ela.

Jean Charles começa como uma comédia de costumes sobre os brasileiros que vivem na Inglaterra, ao que é muito bem sustentada pela interpretação de Selton Mello, com direito a sotaque mineiro e tudo. No entanto, sua saída de cena deixa a impressão de que o filme poderia ter acabado ali. Este filme talvez sirva como oportunidade para voltar a polemizar histórias de abusos e intolerância como esta.

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