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Críticas

Cineplayers

Stay hungry, stay foolish.

6,0

Cinebiografias de figuras como Steve Jobs sempre serão armadilhas para o cinema. Pessoa de difícil personalidade, acompanhamos toda a história de um dos criadores da Apple, desde o seu tempo na faculdade até o seu retorno para a empresa após ter sido expulso, com autonomia de um CEO para tirar a Apple da enrascada financeira em que se encontrava. E, no meio desse caminho todo que durou anos, acompanhamos tanto as coisas boas quanto ruins que o biografado fez ao longo de sua vida. E aí se encontra a armadilha: todos sabem que ele não era uma pessoa tão fácil de se trabalhar. Sem qualquer limite para cobrar seus funcionários, nunca mediu palavras a suas equipes que trabalhavam dia e noite para tentar tornar realidade as loucuras que vinham da sua cabeça. Como fazer com que o público crie empatia pelo biografado?

É verdade que quase nunca era o próprio Jobs que tinha as ideias, mas foi de sua visão de mercado que o mundo inteiro mudou ao integrar no dia a dia das pessoas apetrechos tecnológicos como os computadores pessoais, os ipods, smartphones e tablets da vida. Se não era genial em criar, era ao saber selecionar o que tinha poder de mercado através de uma das principais diretrizes que traçou para a Apple lá em sua criação, na garagem de seus pais: a inovação. Sempre foi contra seguir tendências, mas sim criá-las. Jobs mudou a comunicação inteira do mundo e negar isso, principalmente em frente a um computador, é negar a própria história. O Cineplayers mesmo só existe porque um dia ele resolveu inovar.

Jobs não queria ser apenas uma cópia da IBM, até então dona de mainframes enormes e sinônimos de informática da época. O personal computer do amigo Woz, que até então vivia em um trabalho estável na HP e de criar geringonças como caixas que enganavam o sistema de comunicação da época para se fazer ligações grátis, foi transformado em ideia comercial por Jobs por acreditar no potencial daquilo que estava a sua frente. Os PCs não deveriam ficar restritos a inventores e demais entusiastas da tecnologia da época; eles deveriam invadir cada residência do planeta. Se Woz era o gênio da engenharia, ele não faria nada sem Jobs, o gênio do Marketing.

Com um roteiro irregular do estreante Matt Whiteley, muita coisa acaba sendo apenas citada ou ficando de fora do filme, o que era de se esperar, afinal, biografias devem mesmo ser encurtadas para caber em duas horas de filme. Mas, de todas as coisas conhecidas ocorridas em sua vida, fica impossível aceitar a exclusão do caso Xerox, que nem citado é. Jobs, convidado pela empresa para conhecer uma de suas ideias descartadas, ganhou de bandeja todo o conceito de sistema operacional com interface gráfica para facilitar o usuário a mexer no computador através de um aparelho novo chamado mouse. Os executivos da Xerox acharam a ideia imbecil e ele, com sua visão, roubou-a para a Apple.

No filme, o sistema já aparece pronto e funcionando como se fosse ‘genial’. E era mesmo, mas contado de maneira duvidosa, já que ele dá a entender que a Apple o criou, não citando um dos casos mais famosos da empresa. O engraçado é que o Windows, então considerado uma cópia da cópia, é citado em uma cena, com Jobs berrando ao telefone que Bill Gates jamais iria ganhar um centavo sem passar uma parte para Jobs, como se ele tivesse sido o prejudicado da história... Nem sequer mencionam que foi a Microsoft que salvou a Apple da falência, comprando 40% das ações da empresa para reestruturá-la e vendendo-as aos poucos depois.

Mas não apenas isso: vários momentos chaves acabam ficando apenas subentendidos, como sua viagem para a Índia, que no filme nunca fica clara a motivação, ou então sua conturbada e complexa relação com a filha renegada, mas que ganhou um computador com o seu nome, aparecendo anos depois dormindo tranquila no sofá de Jobs, agora casado e paizão de família. As elipses são forçadas e essas passagens de tempo deveriam ser melhor exploradas. Em um momento, Jobs apresenta o Apple II em uma feira de computadores; na cena seguinte, já anda pelos corredores de uma estruturada e rica Apple, que agora tem incontáveis funcionários. Toda a parte final, por exemplo, ficou muito corrida.

Parece que o filme quer mostrar tudo de sua vida, mas sem se aprofundar em nada. A criação da Next, que serviu de ponte para sua volta à Apple, é uma mera e desimportante passagem no filme, e a criação da Pixar, que tornou Jobs o maior acionista físico da Disney, sequer chega a ser citada. Isso sem falar na trilha sonora, que tenta a todo custo engrandecer uma figura que se torna interessante justamente por sua ambiguidade de caráter, que chega a enganar um amigo pessoal num negócio de 5.000 dólares mesmo com este lhe salvando a pele, e não pelos momentos em que a trilha cresce, a câmera se aproxima em um zoom e a luz atrás faz dele parecer uma pessoa quase divina - apesar da adoração de alguns fãs da Apple beirar a isso. Não que Jobs não seja importante. Ele é, e muito. Mas a partir do momento em que o filme o romantiza em excesso, perde justamente a profundidade que o deixaria interessante.

Não que Ashton Kutcher, que também assina a produção do longa, não tenha tentado fazer algo digno: seu modo de andar, de se vestir, sua semelhança física são dignas de aplausos. É até estranho pensar que aquele rapaz preso e limitado poderia viver uma figura tão importante de maneira tão competente. Mas não se engane. Quando o filme exige de seu olhar, de sua expressão, ele deixa a desejar. Só que a opção do longa de começar com uma pesada maquiagem de Kutcher em 2001, durante a apresentação para funcionários da Apple do primeiro iPod, e deixá-lo praticamente idêntico a Jobs logo de cara foi uma ideia inteligente, afinal, aquilo já afasta de cara qualquer assimilação que o público poderia ter com o ator e quebra as barreiras de preconceito que alguns poderiam levantar. A partir dali, para o grande público, ele não é mais Ashton Kutcher.

Um filme maior, baseado na biografia oficial escrita por Walter Isaacson e com roteiro do oscarizado Aaron Sorkin (por A Rede Social [The Social Network, 2010)], está sendo produzido, que deve ser mais fiel à história original de Jobs e da Apple e mais interessante também, mas até que para um filme barato, independente e até mesmo rápido (Jobs morreu há apenas 2 anos; fato que ficou de fora do filme também, inclusive dos créditos finais), acabou saindo um bom passatempo, principalmente para amantes de filmes sobre a história da informática como eu – toda a parte do famoso comercial de 1984 é sensacional. Porém, há melhores opções no mercado, como Piratas do Vale do Silício (Pirates of Silicon Valley, 1999), que acaba sendo mais eficiente e divertido do que esse, mesmo sendo mais simples e dividindo a história com a de Bill Gates.

Comentários (5)

Eduardo da Conceição | terça-feira, 17 de Setembro de 2013 - 00:55

É uma coisa, cinebiografias só se tornam grandes filmes quando a figura principal é tratada com uma visão crítica e/ ou a sua personalidade é mais importante para o filme do que sua obra. É assim com todas as cinebiografias do Scorsese, foi assim com A Rede Social, nenhum deles tinha a função de mistificar as figuras que retratam, mas, sim, de dissecar elas e o meio em que vivem, por isso são filmes tão bons.

Renan Fernandes | quarta-feira, 18 de Setembro de 2013 - 17:08

A crítica foi incrível e o filme um saco.

Alexandre Carlos Aguiar | quinta-feira, 19 de Setembro de 2013 - 15:56

Pois é, soube por amigos que o filme mostra muito pouco da história que muita gente conhece. Até porque Steve Jobs era celebridade e cada espirro seu era anunciado a toda hora. Pensei que seria algo baseado em Piratas do Vale do Silício, que embora deixe de lado algumas coisas e invente outras, faz um raio-X muito bom dos dois principais gênios do Século 20. Devo ver, quando passar na Sessão da Tarde.😏

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