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Críticas

Cineplayers

Bem escrito e interpretado, Jogos do Poder acaba como uma decepção, porque poderia ter sido muito mais.

7,0

É interessante analisar a forma como o cinema norte-americano aborda as guerras nas quais o país envolve-se. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, incontáveis produções, boa parte sob encomenda do governo, foram realizadas para levantar o moral das tropas. Nas décadas seguintes, o mesmo conflito permaneceu como fonte de histórias, porém, as tramas destacando o heroísmo dos soldados ianques aos poucos encontraram seu espelho naquelas que buscavam retratar as conseqüências da guerra nos combatentes. O mesmo aconteceu com a Guerra do Vietnã. Filmes surgidos durante o tempo da luta foram escassos, ao passo em que diversas obras ganharam destaque ao analisar os resultados psicológicos de uma guerra sem sentido.

De certa forma, é a primeira vez que o cinema norte-americano ousa colocar o dedo nas feridas de uma guerra no exato momento em que ela ocorre. Se a Guerra do Golfo passou praticamente em branco nas telas, a chamada “guerra contra o terror” e a posterior invasão ao Iraque começam a encontrar críticas na Sétima Arte, em filmes como Leões e Cordeiros e No Vale das Sombras. Jogos do Poder, trabalho mais recente do aclamado Mike Nichols, não retrata exatamente o atual conflito, mas volta no tempo para buscar as bases que levaram a ele.

Escrito por Aaron Sorkin a partir de um livro de George Crile, Jogos do Poder conta a história real do congressista Charlie Wilson, um político que parecia utilizar seu poder e status para ter acesso a mulheres e festas regadas a álcool e cocaína. A pedido de uma das mais poderosas mulheres do Texas, com a qual teve um caso, Wilson acaba por se envolver na guerra entre Afeganistão e União Soviética, acreditando que apoiar os muçulmanos seria fundamental no desenlace da Guerra Fria. A partir daí, utiliza sua influência para levantar recursos e expulsar os comunistas do Afeganistão.

À leitura da sinopse, Jogos do Poder pode parecer como um drama político pesado, versando veementemente sobre as engrenagens do governo. De certa forma, até pode ser considerado como tal, mas Nichols e Sorkin preferem tratar a obra como uma sátira, investindo em tons de comédia para contar a história. Diante desta abordagem, Jogos do Poder acaba funcionando como entretenimento levemente informativo, mas perde a força que poderia ter ao deixar de lado a crítica e a análise e optar pela diversão.

No entanto, não precisava ter sido assim. Alguém certa vez escreveu que não existe melhor forma de criticar alguma coisa do que a sátira e a ironia. Em certos momentos, o texto de Aaron Sorkin parece seguir por esse lado incisivo, utilizando a verve cômica para dar ainda mais destaque aos verdadeiros interesses por trás das escolhas do poder. São os momentos nos quais Jogos do Poder realmente dá mostras do filme relevante que poderia ter sido, como na negociação de Wilson com políticos egípcios, enquanto um deles é distraído por uma dançarina de dança do ventre, ou em frases afiadas, como: “Você sabe que atingiu o fundo do poço quando é dito que tem falhas de caráter por um homem que enforcou seu antecessor”.

Os diálogos, aliás, são um dos pontos altos de Jogos do Poder. Bem escritos e, principalmente, expelidos por atores competentes, as frases do roteiro de Sorkin quase sobrepõem-se umas às outras, sendo ditas com uma velocidade e argúcia que, por vezes, chega a ser difícil de acompanhar. Os personagens parecem sempre ter a resposta na língua, característica presente também no trabalho anterior de Nichols, o excelente Closer - Perto Demais. Como resultado, ainda que certos detalhes das negociações acabem se perdendo, é fascinante ouvir as conversas entre os personagens e algumas brilhantes pérolas ditas por estes. Em certo momento, por exemplo, alguém pergunta a Wilson a razão pela qual o Congresso diz uma coisa e faz outra. O protagonista apenas responde: “Tradição, principalmente”.

Esta dinâmica nos diálogos deve-se também à eficiência dos atores. Tom Hanks, por exemplo, foi a escolha certa de Nichols para o papel principal. Além de grande intérprete, Hanks possui uma indissociável imagem de bom moço, característica fundamental para que um político cheirador de cocaína e mulherengo não se tornasse repulsivo aos olhos do espectador. Mas se o ator facilita a identificação entre personagem e platéia, o roteiro peca ao não desenvolvê-lo mais a fundo. Há o cuidado em mostrar que Charlie Wilson, apesar dos excessos de sua vida pessoal, não deixa de lado as responsabilidades profissional, como a atesta a cena na qual ele presta atenção às notícias da televisão enquanto está numa banheira com strippers. No entanto, fica óbvia a opção em amenizar os podres do personagem. Em Jogos do Poder, Charlie é apenas um bon vivant, um dono de cargo público que simplesmente gosta de se divertir, ao contrário de um alcoólatra viciado que jamais deveria ocupar tal posição.

Porém, se Charlie Wilson perde sua complexidade em função da abordagem cômica e simplista, Gus Avakratos é o grande achado do filme. Dominado com perfeição cirúrgica por Phillip Seymour Hoffman, Avakratos rouba praticamente todas as cenas nas quais aparece, com o ator demonstrando impecável timing cômico e química com Hanks. Enquanto isso, Amy Adams mais uma vez contagia o público com seu carisma no papel da assistente de Charlie, ao mesmo tempo em que Julia Roberts torna-se o único elo sem graça do elenco, assumindo Joanne em completo piloto automático. A impressão que fica é a de que Roberts não teve o mínimo interesse pelo papel.

Mesmo bem escrito e interpretado, Jogos do Poder acaba como uma decepção, porque poderia ter sido muito mais. Nichols e Sorkin não se arriscam tanto como deveriam. O filme parece construir uma narrativa para um momento, uma crítica, uma catarse, que nunca chega. Perto do final, há boas alfinetadas em relação à forma como os Estados Unidos abandonam os países após cada guerra que participam. Neste momento, Jogos do Poder chega ao nível de importância que deveria alcançar. Pena que é muito pouco. É um bom filme, mas, do jeito que ficou, funciona mais como entretenimento do que como obra socialmente relevante.

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