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Críticas

Cineplayers

Diversão de qualidade que respeita a inteligência de seu público-alvo.

6,0

No ano passado, foi finalizada uma bem sucedida saga do cinema adaptada dos livros adolescentes mais populares das últimas décadas, com Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte II (Harry Potter and the Deathly Hallows: Part II, 2011). Neste ano se finalizará outra saga de grande sucesso comercial adaptada dos livros de Stephenie Meyer, com A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 2 (The Twilight Saga: Breaking Dawn – Part II, 2012), deixando uma sensação de vazio para tantos fãs adolescentes que gostam de ver seus livros preferidos transformados em realidade nas telonas. A verdade é que as produções adolescentes no cinema comercial se dividiram em dois caminhos perigosos atualmente: ou seguem essa tendência de adaptar literatura jovem popular, que geralmente é voltada para um público mais inocente e politicamente correto; ou vai pelo caminho do escracho, do sexo e das piadinhas infames feitas sob medida para chocar o conservadorismo americano. Cada qual tem as suas próprias características, mas o ponto em comum entre ambas é o fato de que geralmente nenhuma delas procura respeitar seu público-alvo com um material ao menos inteligente. Claro que há exceções, entre elas a própria saga Harry Potter (que, mesmo lá com seus defeitos, nunca ofendeu ninguém), mas no geral o público jovem anda tendo de se contentar com pouco.

Que surpresa então é ver um filme como Jogos Vorazes (The Hunger Games, 2012) contrariando todas essas regras e nascendo como uma promessa de enfim unir entretenimento de qualidade com respeito pelo público. Para começar, os livros de Suzanne Collins nos quais a história é baseada são extremamente bem quistos pela crítica especializada, o que nos garante uma base promissora. Depois, temos um diretor completamente ciente do material que tem em mãos, sabendo aproveitar o que há de melhor nele e, melhor de tudo, dentro dos limites da faixa etária permitidos para o seu público-alvo. Gary Ross, já indicado três vezes ao Oscar como roteirista, assume a direção e adaptação do texto de Collins, e promove com seu novo trabalho o que possivelmente se tornará uma das maiores sensações dos próximos anos.

A trama gira em torno de uma América futurista renomeada de Panem e dividida em doze distritos. Todo ano a capital controladora do local promove uma competição chamada de Jogos Vorazes, em que dois representantes jovens de cada distrito (um homem e uma mulher) devem se aventurar por uma arena gigante onde somente um poderá sobreviver – tudo monitorado e divulgado pela mídia. Katniss (Jennifer Lawrence) é uma pobre moça do distrito 12 que se vê obrigada a participar desta competição, ao lado de Peeta (Josh Hutcherson), um rapaz que salvou sua vida no passado. Como o distrito 12 é o mais pobre e carente, os participantes de lá quase nunca ganham, por não terem força nem treinamento como os outros jovens, o que obriga Katniss a dobrar sua atenção e sobreviver apenas de sua habilidade com o arco e flecha. Tudo se complicará ainda mais quando ela e Peeta se apaixonam, sendo que somente um dos dois poderá sair de lá vivo.

Apesar do teor relativamente violento da história, em que basicamente 24 jovens têm de matar um ao outro enquanto são assistidos por todo o país, o filme de Gary Ross em momento algum é explícito. Embora o conteúdo do livro permita um filme carregado na violência, o diretor foi muito inteligente em amenizar isso e fazer da história original algo dentro dos limites de idade de seu público. Por conta disso, Jogos Vorazes se torna uma opção viável tanto para crianças como para um público mais velho. O romance poderia também servir de armadilha e se transformar no foco do trabalho, mas graças a Ross é muito equilibrado e bem dosado. O que domina, portanto, é uma bem conduzida trama de aventura, com direito a tudo o que uma saga jovem pode proporcionar, mas sem nunca se perder em excessos. Tecnicamente, não é tão primoroso como poderia ser (uma direção de arte brega, por exemplo), mas esse é um detalhe que costuma evoluir com os novos capítulos de sagas juvenis e não compromete o resultado final.

Por trás de tudo reinam questões morais bastante complexas que geralmente não costumam marcar presença em filmes comerciais para adolescentes, como a decisão de Katniss em matar outros jovens para poder sobreviver, ou a sede de violência do povo – o que na verdade só serve como arma do governo para subjugá-los e manter o controle. Então embora a violência não seja explícita no filme, o conceito dela é muito discutido e questões como a indiferença da população diante de seu crescimento cada vez maior na sociedade são levantadas. Nesse meio todo, a principal discussão é a preocupação cada vez maior de uma geração jovem que cresce em meio à violência permitida e incentivada pela mídia – claro que no filme tudo toma proporções mais drásticas quando o governo de fato obriga seus jovens a serem violentos com o seu próximo.

Nesse caso, como se pode notar, não se usa um moralismo americanizado pedante, como aquele encontrado em trabalhos como a Saga Crepúsculo; pelo contrário, questões morais sérias são abordadas com muita competência, garantindo assim um conteúdo aproveitável para filme e não o limitando a uma simples diversão esquecível. Outro fator positivo é a seriedade com que os sentimentos jovens são encarados, nunca como algo passageiro e bobo da idade. A atração pelo sexo oposto, a descoberta do primeiro amor e outras constantes em filmes adolescentes ganham uma roupagem séria e não banalizada ou resumida em sexo vazio, como também encontramos em tantos outros trabalhos semelhantes.

Há ainda muito que precisa ser aprimorado em Jogos Vorazes, mas mesmo que um tanto cru, consegue ser mais relevante que boa parte dos trabalhos destinados ao público jovem. Sua condução é segura, a maioria dos atores são competentes, e certamente agradará aos fãs dos livros. Se seguir a tendência de ir aprimorando a técnica com os novos capítulos que estão para ser lançados futuramente, quem sabe em breve não nos deparemos com um filme ideal e respeitoso, que todo o espectador jovem merece receber.

Comentários (1)

Carlos Henrique de Almeida Nunes | domingo, 23 de Agosto de 2015 - 19:54

Por mais boa vontade que temos, é duro aceitar um filme em que a morte de jovens numa competição seja aceita tão passivamente numa sociedade futurista. O caos deveria ser bem maior para essa aceitação. Não é o que o filme mostra. É coisa pra adolescentes descerebrado mesmo.

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