Parabellum. Lá pelo terceiro ato do novo capítulo da saga do ex-mercenário John Wick, seu subtítulo recebe uma tradução e um ciclo se forma, finalmente vindo à tona que as intenções sempre foram a criação de uma franquia, que segue aqui não apenas bem sucedida, mas quase singular na construção de uma tradição imagética de referência e excelência. A expressão que batiza esse novo segmento deixa o caminho pavimentado para que entendemos o processo do surgimento desse universo interligado e orgânico, onde dos acontecimentos do primeiro segmento até o fim desse terceiro passou pouco mais de um mês; a integração da narrativa capitular talvez seja um dos grandes trunfos a serem observados aqui, quando a progressão linear desses eventos em 'efeito dominó' dão um charme que o filme não precisaria ter, mas que é apenas um dos aspectos de um roteiro que, ao contrário do que os raros detratores possam acusar, não tem nada de raso.
Se no episódio anterior o diretor Chad Stahelski propunha reler alguns emblemas do cinema (como Buster Keaton) em seu cardápio criativo, dessa vez seu ofício adquire liberdade e compõe unidade com um roteiro capaz de justificar os desdobramentos episódicos, criar novos personagens repletos de humanidade, realçar os antigos e dar garantia de excelentes linhas de diálogos para todos os envolvidos, superando a qualidade para definir do caráter de cada peça do jogo. O material é escrito desde a primeira aventura por Derek Kolstad, mas aqui ele recebe a ajuda de Shay Hatten, Chris Collins e Marc Abrams na manufatura do todo, com sua experiência com a saga criando a unidade necessária para desenvolver cada nova ramificação. O resultado são cenas tão bem construídas dramaticamente no campo da ação quanto na tessitura das relações, como vemos entre atores como Ian McShane e Halle Berry, no seu melhor momento em quase 20 anos.
Ainda que o roteiro construa sua base há 5 anos e agora estenda essa estrutura de maneira explícita, o trabalho de Stahelski continua sendo o diferencial para que 'John Wick' não seja apontado como "apenas um thriller de ação genérico", do início ao fim. O fotógrafo Dan Laustsen (indicado ao Oscar por 'A Forma da Água') retoma seu trabalho na série depois do jogo de luz e sombras apresentado no anterior, aqui acrescido por um controle ainda mais rígido a respeito da movimentação de câmera, como na cena logo no início do encontro do protagonista com orientais em uma loja de facas, ou o rigor de uma das sequências finais, na sala de vidro; não uma preocupação única do projeto em promover adrenalina, mas conjugar esse sentimento de tensão com beleza estética apurada, usando elementos como o neon para driblar a burocracia que cenas de ação podem representar, e possibilitar um tratamento sofisticado a uma seara menosprezada.
Em determinada cena, o protagonista diz que prefere continuar vivo para lembrar da esposa falecida, e percebemos que apesar do visual pop e do roteiro meticuloso em suas inúmeras vertentes, tem uma porta aberta para a percepção filosófica para a obra. São inúmeros os temas que perpassam a produção, e chama a atenção o fato de todos eles serem desenvolvidos de maneira coesa à realização de maneira geral. Na espinha dorsal, tem esse ímpeto de morte perseguido por esse homem repleto de perdas; a memória do amor perdido para o esquecimento é a batalha principal travada por Wick, que luta por reparação em espiral. Os outros tipos do filme vagam por reestabelecer a ordem num universo de caos crescente, da personagem de Halle Berry ao personagem de Mark Dacascos, que em frequências diferentes pulsam o mesmo sintoma reparatório que o herói, mantendo-se todos eles num esquema de honra entre adversários - mesmo em lados opostos, há um respeito e uma admiração pelo oponente, em algumas passagens até verbalizadas.
Se todos os caminhos traçados até aqui foram apenas uma preparação, já podemos imaginar que o conflito está começando agora e a intensidade dos fatos nem tenha sido conhecida ainda. Essa é a impressão que fica observando o terço final desse capítulo que reforça as características emblemáticas e já inerentes. Mais um conjunto de sequências que descolam 'John Wick' da descerebrada produção em fábrica norte americana para situá-la dentro de um lugar onde animais participam da ação de maneira efetiva, onde cenas nunca vistas são elaboradas e executadas, traduzindo um material híbrido que espelha os anseios de cada personagem (vide o envolvimento de Halle Berry nas duas cenas que protagoniza), ao passo que reflete em paralelo um sentido de conexão entre os que matam - todos se compreendem pelo que fazem. Adicione a essa combinação referências que vão da sétima arte ('Lawrence da Arábia') à religião (estigmatas produzidas como castigo), e podemos dizer que estamos apenas começando a vislumbrar o potencial de Chad Stahelski, que atualmente parece em franca expansão.
Sabia que esse filme não ia decepcionar. John Wick é a prova viva de que dá pra se fazer um excelente filme de ação, ainda que com um roteiro clichê, mas com abundância técnica - advinda de uma excelente direção.
O segundo foi MUITO RUIM; expectativas para este são quase nulas, mas eventualmente conferirei.
segundo foi ainda melhor que o 1º, frenético!