Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um filme que poderia ser uma obra-prima, mas pela reclusão do diretor, acaba sendo mais um.

6,0

O título original do filme, Walk the Line, parece, à primeira vista, uma grande ironia. Afinal, Johnny Cash, o ‘Homem de Preto’, uma das figuras mais importantes da música country, nunca prezou por ‘andar na linha’. Muito pelo contrário. Sua vida, encerrada em 15 de maio de 2003, quando já era um senhor de 71 anos, sempre foi marcada por altos e baixos e muitos problemas.

Johnny & June enfoca a vida desse grande marco da música norte-americana. Não se enganem pelo forçado título nacional, que tenta vendê-lo como se fosse uma grande história de amor. Sim, o enlace sentimental entre Cash e June Carter está lá, mas como parte integrante da vida do primeiro. O assunto aqui é Cash e ponto.

Para quem não sabe (até porque a música country não tem quase alguma ressonância no Brasil), Johnny Cash, nascido e criado no Arkansas, durante a Grande Depressão, começou a escrever suas próprias canções aos doze anos de idade, inspirado nas músicas que ouvia no rádio no rancho onde vivia com a família. Mais tarde, já formado, alistou-se na Força Aérea em Detroit, onde conseguiu dinheiro para finalmente comprar seu primeiro violão, que aprendeu a tocar sozinho. Casou e se mudou para o Memphis, onde formou um trio musical que fazia pequenos shows e apresentações. Depois de muitas tentativas, conseguiu uma audição com Sam Phillips, fundador da hoje lendária Sun Records, em 1955. Cash apresentou uma música gospel que acabou sendo rejeitada, mas teve uma outra oportunidade e conseguiu um contrato com o estúdio ao apresentar ‘Hey Porter’, uma legítima representante da música country. Em seguida, lançou seu primeiro álbum, que virou um sucesso imediato.

‘O Homem de Preto’, como passou a ser considerado – por sempre estar vestido de roupas negras em seus shows – entrou em longas turnês conjuntas, acompanhado por gente como Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins, Roy Orbinson e June Carter. Para segurar uma agenda de mais de trezentos shows ao ano, Cash viciou-se em anfetaminas, que foi o derradeiro motivo para que sua esposa o deixasse, após uma série de conflitos. Ele viu ainda a qualidade do seu trabalho ser afetada e acabou por se envolver com problemas com a justiça – foi preso ao ser descoberto carregando anfetaminas dentro de seu violão.

Foi June Carter, que tinha co-escrito ‘Ring of Fire’, a música que fez com que ele retornasse às paradas, quem o salvou. Recém-divorciada, June, que sempre foi uma espécie de musa para Cash, conseguiu com que ele se livrasse da dependência e redescobrisse sua fé. Durante um show, foi pedida em casamento pelo próprio, o que prontamente aceitou. Logo em seguida Cash lançou seu álbum de maior sucesso ‘Johnny Cash at Folsom Prison’, gravado dentro do presídio. Após isso, ele ganhou um programa de tevê, acabou por atuar em vários filmes e séries, virar tema de um documentário, para falecer meses depois da morte de sua amada June.

Cash ainda teve tempo para escrever duas autobiografias, ‘The Man in Black’ e ‘Cash: An Autobiography’, esta última em parceria com Patrick Carr, que acabaram por servir de base para o roteiro que deu origem a este filme, escrito por Gill Dennis e pelo diretor James Mangold. Os roteiristas inclusive estiveram com Cash e June por horas e horas de conversa a fim de deixar o script o mais fiel possível. O problema maior foi reduzir mais de setenta anos de uma vida em pouco mais de duas horas, e optaram por começar a história do menino pobre descobrindo seus talentos (e enfrentando um pai autoritário e insensível interpretado por um Robert Patrick descontrolado) e encerrá-la quando ele finalmente estabiliza sua carreira e sua vida matrimonial.

Essas histórias de meninos pobres, que passam por uma vida atribulada e que acabam virando astros da música deveriam soar como um grande clichê se não fossem todas baseadas em personagens reais. Até porque esses astros são clichês ambulantes. Tanto que Johnny & June sofre principalmente com o antecessor Ray, que faturou alto e foi indicado a um punhado de Oscar. A história de ambos inclusive possui pontos em comum, como a perda de irmãos na infância, que acabou por traumatizá-los para sempre, o vício de drogas, o enfrentamento dos próprios fantasmas e o sucesso indiscutível.

Quem também perdeu um irmão – o astro River Phoenix, para as drogas, no início da década de 90 – foi Joaquin Phoenix, o intérprete do personagem principal, e é graças a ele que o filme ganha força e apelo tridimensional, em uma interpretação aguerrida, forte e convincente. Phoenix (e também Reese Witherspoon, que interpreta June Carter) canta com sua própria voz e dá ainda maior realismo à trama, em seu maior desempenho na carreira. Witherspoon, mesmo com pouco tempo na tela, também se mostra capaz de atingir vôos maiores, já que sua ‘Dixie’ (como June era carinhosamente chamada) é uma personificação quase perfeita e um contraponto leve para a interpretação carregada – e isso é um elogio – de Phoenix.

O grande problema de Johnny & June reside na direção burocrática e sem brilho de Mangold. Que ele é tão versátil quanto medíocre, a gente já sabia – o cara fez o policial Cop Land, o drama Garota, Interrompida, o romancezinho Kate & Leopold, o suspense-quase-terror Identidade, todos bem fraquinhos – mas a falta de ousadia e de arrojo nesta biografia musical é de doer. A gente fica pensando que se o projeto tivesse caído em mãos mais hábeis, poderíamos ter uma obra-prima. Material farto para isso, existia. Afinal, Cash poderia conseguir tudo, menos passar incólume. Mas o filme de Mangold consegue essa proeza.

Comentários (1)

Paula F Morais de Medeiros | sábado, 10 de Janeiro de 2015 - 14:07

Passei a respeitar e admirar o trabalho de Joaquim Phoenix depois deste filme. Ele está brilhante. Incrível como este ator conseguiu interpretar com tanta intimidade um ícone da música country tão respeitado e reverenciado como Johnny Cash . Sem dúvida ele conseguiu captar a essência do Johnny Cash. É difícil pra mim assistir um filme e ver o ator encarnando o personagem de verdade. E neste filme eu vejo claramente Johnny Cash e June Carter atuando.😁

Faça login para comentar.