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Críticas

Cineplayers

O ritmo é lento e por vezes cansativo, mas o filme sobreviveu décadas graças a momentos de pura genialidade, de quando Mel Brooks valia a pena.

7,5

Assistir a um filme é sempre uma experiência pessoal. A apreciação ou não de determinada obra é muito influenciada pela bagagem carregada por cada um de nós, nossa visão de mundo, ideais e personalidade. O mesmo filme pode ter um significado muito importante para alguém, mas dizer absolutamente nada para outro.  Ainda que isso ocorra em todos os gêneros, em nenhum é tão representativo quanto na comédia. O senso de humor, a ideia do que é ou não engraçado, varia muito de uma pessoa para outra. Tão importante quanto, ser levado às risadas por um filme depende imensamente do estado de espírito no qual nos encontramos naquel determinado momento.

Por essa razão, analisar uma comédia em relação às suas qualidades cinematográficas não é uma tarefa fácil. Normalmente, o gênero simplesmente não possui qualquer pretensão além de fazer rir, o que torna, de certa forma, irrelevante preocupar-se demasiadamente com questões como estrutura narrativa ou estilo de direção. Se uma comédia gera risadas, ela é bem-sucedida dentro de seus propósitos. Ponto final. Ainda assim, existem aqueles filmes que fazem algo a mais com o gênero e, além de garantir o riso de maneira inteligente e sem apelações, demonstram ambição um pouco maior do que apenas divertir. Era o que Mel Brooks fazia em seus primeiros trabalhos, como O Jovem Frankenstein.

Trata-se de uma continuação/homenagem/sátira à clássica história de Mary Shelley sobre Victor Frankenstein e a sua criatura trazida de volta à vida com tecido morto. Na trama criada por Brooks ao lado de seu protagonista Gene Wilder, o espectador é apresentado ao cientista Frederick Fronkonsteen, neto do barão Victor e que, envergonhado devido às experiências malucas de seu avô, decide não ser chamado pelo sobrenome da família. Fronkonsteen, então, recebe a informação de que tem uma herança a receber do barão e, dessa forma, parte em direção à Transilvânia para ficar no castelo do avô. Quando chega lá, conhece uma série de personagens inusitados, como o ajudante corcunda Igor, e encontra os escritos de Victor Frankenstein, convencendo-se de que as experiências podem dar certo e decidindo colocá-las em prática.

Chega a ser um pecado ver que gerações mais novas (acostumadas a um conceito de comédia cujos grandes exemplares são insultantes “paródias” como Espartalhões e Super-Herói – A Liga da Injustiça) pouco conhecem o trabalho de Mel Brooks. Durante um bom tempo, ele foi o maior representante da comédia no cinema norte-americano, com filmes anárquicos, que pareciam estar à frente do seu tempo em termos de ousadia e questionamento dos valores conservadores da cultura do país, como Primavera para Hitler e Banzé no Oeste. Este O Jovem Frankenstein, lançado em 1974 (curiosamente, mesmo ano de Banzé no Oeste) é mais um exemplar da capacidade de Brooks de dar um passo além do que se fazia no gênero: ainda que deixe a anarquia levemente de lado, o cineasta demonstra coragem e visão ao se preocupar com aspectos técnicos e investir na criação de uma atmosfera que pouco tem a ver com a comédia.

E este talvez seja o grande mérito de O Jovem Frankenstein e o motivo pelo qual o filme é lembrado até hoje entre os grandes do gênero. Brooks não filma a sua comédia como se fosse uma comédia. Pelo contrário, a principal preocupação do cineasta parece ser realizar uma homenagem aos clássicos de terror da Universal dos anos 30, especialmente a James Whale, e, dessa forma, a sua abordagem é totalmente voltada a isso. A fotografia em preto e branco, a inspirada direção de arte e até diversos de seus planos remetem a tais filmes – Brooks, inclusive, conseguiu boa parte do equipamento do filme original de Whale para utilizar no laboratório de Frederick Fronkensteen. Até mesmo o ritmo adotado pelo cineasta é lento, valorizando muito a construção deste clima – mesmo que existam piadas em abundância, a forma devagar com a qual os atores entregam suas falas e a os longos movimentos de câmera pouco lembram a dinâmica acelerada da maioria das comédias.

Com isso, O Jovem Frankenstein pode se tornar um pouco cansativo em alguns momentos, mas é exatamente o contraste entre a direção disciplinada, séria, de Brooks e o nonsense das piadas que fazem do filme uma realização hilária ainda hoje. O espectador é, de certa forma, transportado àquele mundo em função das imagens bem trabalhadas, mas também é lembrado a todo instante que tudo o que está vendo não passa de uma grande bobagem. As gags surgem das mais diversas formas, desde as visuais, passando pelos diálogos e chegando até flertes com a metalinguagem, sempre inteligentes e bem inseridas à história. São muitas as cenas e piadas que já se tornaram clássicas, como o “walk this way” de Igor (que dizem ter sido a inspiração para a música homônima do Aerosmith), o inesquecível número musical e a divertidíssima participação especial de Gene Hackman como o solitário cego que recebe a criatura como uma visita há muito esperada.

Aliás, falando em Hackman, é importante apontar que a sobrevida de O Jovem Frankenstein durante mais de três décadas repousa muito sobre o brilhantismo do elenco. Gene Wilder, por exemplo, talvez tenha aqui a melhor interpretação de sua carreira. Sua caracterização de Frederick Fronkonsteen é impecável, combinando extrema idiotice com megalomania. O ator entrega todas as suas falas de forma perfeita, com entonação impecável, e consegue fazer rir até mesmo nos silêncios, sem contar os pequenos momentos nos quais demonstra o seu impecável timing cômico, como quando as penas da roupa de sua esposa teimam em seguir entrando em sua boca na despedida na estação.

Mas Wilder não está sozinho. Marty Feldman rouba praticamente todas as suas cenas no papel do corcunda Igor, enquanto Cloris Leachman e Madeline Kahn surgem igualmente engraçadas como Frau Blucher e Elizabeth. Já Peter Boyle consegue encontrar um interessante meio-termo entre a comédia e a doçura, fazendo o espectador se importar com a criatura, mesmo que não seja este o objetivo do filme. O único porém do elenco cabe a Teri Garr, que jamais demonstra possuir o mesmo talento cômico do restante do grupo, tornando sua Inga não somente um personagem desnecessária, como também irritante por exagerar na caricatura – em sua defesa, no entanto, Inga é desinteressante e possui os momentos menos inspirados do roteiro.

Mesmo prejudicado pelo ritmo lento e sem a irreverência dos trabalhos anteriores de Mel Brooks, O Jovem Frankenstein ainda é uma comédia diferenciada, elegante e inteligente, de uma época em que o diretor era uma das mais provocadoras e criativas mentes do cinema norte-americano. Não é um filme capaz de gerar gargalhadas ou de fazer a barriga do espectador doer de tanto rir, mas possui momentos de pura genialidade que o colocam, com justiça, entre os grandes títulos do gênero. Por mais que a recepção à comédia dependa muito de cada um, é difícil não se divertir com a trajetória de Victor Frankenstein.

Ou melhor, Fron-kons-teen.

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