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Críticas

Cineplayers

O jogo assombrado.

7,0
A mais remota notícia que se tem do jogo Jumanji data do ano de 1869, quando dois rapazes enterram o tabuleiro na floresta numa noite chuvosa e sombria, torcendo para que ele jamais seja encontrado de novo um dia. Um salto no tempo e estamos no fim dos anos 1960, e o menino Alan, filho de um rico empresário da região, acaba se deparando com o tabuleiro ao fugir dos valentões da escola. Sem amigos e oprimido pelas exigências dos pais, Alan decide jogar Jumanji numa noite com sua vizinha Sarah. As peças do tabuleiro se movem sozinhas, mensagens fantasmagóricas se desenham em uma lente no centro do tabuleiro, e um batuque selvagem emana do jogo. 

O que os dois não sabem é que, uma vez iniciado, Jumanji deve ser terminado ou as consequências serão catastróficas. Pior ainda: o jogo é amaldiçoado e provoca a abertura de um portal para uma dimensão paralela, de onde criaturas selvagens podem escapar e também para onde se pode ser sugado para sempre. Alan acaba sendo engolido para dentro do tabuleiro, enquanto Sarah é atacada por morcegos gigantes e acaba fugindo. Para escapar da selva para onde foi sugado, o garoto deve esperar que algum jogador tire um número específico nos dados, porém a fuga de Sarah deixa o jogo inacabado e ele acaba preso naquele mundo paralelo por mais de vinte anos, quando duas crianças, agora nos anos 1990, encontram o jogo e o reiniciam do ponto onde ele havia sido interrompido. 

Jumanji (idem, 1995), o filme, foi uma das sensações do cinema infantil, um clássico da sessão da tarde que alimentou a imaginação de inúmeras crianças que cresceram durante dos anos 1990. Com uma história inusitada que misturava elementos de aventura, terror, fantasia e comédia, o formato de filme família americano no qual era moldado acabava de certa forma traído por uma atmosfera de estranheza e bizarrice incomum. Robin Williams, então no auge do carisma e dos papéis em filmes de apelo infanto-juvenil, como Uma Babá Quase Perfeita (Mrs. Doubtfire, 1993), encarava um personagem ao mesmo tempo carinhoso e agressivo, num equilíbrio que de alguma forma acabou funcionando. Tudo em Jumanji era esquisito demais e sombrio demais, alimentado por um fundo de drama sobre uma família destruída por um passado de rancor e arrependimentos. Os efeitos especiais variavam entre um grotesco impressionante e um realismo que até hoje convence.

O interessante nessa bagunça toda é a facilidade narrativa com que o diretor Joe Johnston consegue explorar o universo todo de Jumanji, sem se ater a muitas explicações sobre as propriedades e origens do jogo e simplesmente introduzindo um conceito sem pé e sem cabeça que cedo ou tarde passa a fazer algum sentido. O centro está obviamente no jogo e nas armadilhas mortais que ele lançará contra cada jogador a cada nova rodada, libertando aranhas venenosas gigantescas, leões famintos, uma manada de animais selvagens em polvorosa, ou fazendo o chão se verter em areia movediça, ou provocando chuvas tropicais capazes de causar uma enchente dentro de uma mansão, com direito a um crocodilo de brinde. Esse encontro entre o cosmopolita ocidental da nossa realidade com a selvageria de uma selva africana do universo de Jumanji permite ao diretor improvisar situações de contrastantes apelos visuais, assim como boas sequências de aventura e terror, como a invasão dos macacos na cidade, que tomam conta das estradas e até saem dirigindo motos e se vestindo como policiais.

Vários críticos na época o acharam muito forte e estranho para o público infantil, embora seja um filme inocente e todo fundamentado em lições de moral próprias do cinema família americano, mas de fato Jumanji consegue fugir do convencional mesmo dentro desse formato. Cedo ou tarde, a narrativa acaba refém dessa sucessão de acontecimentos bizarros provocados pelos poderes do jogo, tornando-se quase episódica ao tratar do quarteto de jogadores superando desafio por desafio, porém o saldo ainda se mostra positivo diante de um ritmo muito gostoso de acompanhar e de personagens que, embora simplórios, conquistam com facilidade. 

O fundo moral de Jumanji se ancora nos temas de sempre em fantasias infantis: a solidão, as dificuldades do amadurecimento, a ausência ou distância emocional dos pais (os personagens do pai rígido de Alan e do caçador incansável que o perseguiu por anos na selva de Jumanji, não à toa, são vividos pelo mesmo ator) e o escape da realidade. Seja Alan e sua evolução de criança isolada para um adulto brutalizado pela necessidade de ter sido obrigado a se virar sozinho ainda muito jovem; seja Sarah, que de menina bonita e popular acabou se tornando uma mulher paranoica e antissocial – todos os personagens ali sofrem com o crescer, inclusive o casal de crianças da nova geração, que agora moram com a tia após perderem os pais em um acidente. O jogo vai acabar servindo de catalisador para todos eles enfrentarem seus fantasmas enquanto lutam pela sobrevivência em um mundo que de repente virou de cabeça para baixo e agora está invadido por elementos e situações que fogem à compreensão deles. Ainda que bastante ritmado e didático, o roteiro aos poucos entrelaça esses dois lados e consegue conferir o mínimo de peso dramático para convencer o espectador a comprar aquela história louca e torcer por aqueles personagens. 

Embora às vezes prejudicado pelos excessos, Jumanji é uma aventura muito funcional e simples, o que hoje em dia parece um caso cada vez mais escasso no cinema infanto-juvenil americano, que acaba engessado demais em racionalizações muito detalhadas, além da falta de verdadeiro carisma em seus personagens. Ainda que se perca lá pelas tantas, entende que o básico em um filme do tipo é saber construir um suspense inicial capaz de despertar o interesse para depois simplesmente embarcar no nonsense sem se enrolar em muita explicação. A beleza em ser criança está em imaginar, e imaginação não requer lógica, apenas coragem e pureza, e para jogar uma partida de Jumanji só é necessário querer, e não entender.  

Comentários (3)

Lucas Moreira | quarta-feira, 27 de Dezembro de 2017 - 18:33

Um dos filmes mais divertidos já feitos. 😏

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