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Jurassic Park - Parque dos Dinossauros

(Jurassic Park, 1993)
8,0
Média
1098 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Um dos maiores blockbusters de todos os tempos.

10,0

À exceção de que Laura Dern de shorts e capão de chuva amarelo arruinou todas as mulheres do mundo pra mim, é difícil não rolar um senso de esgotamento após as duas críticas de Jurassic Park do Cineplayers, aqui e aqui. Mas, ao rever o filme logo antes do lançamento de Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros, a ocasião parece oportuna para rasgar mais alguns elogios a Steven Spielberg.

Pois temos aqui Spielberg completamente à vontade diante daquilo que ele faz melhor: construir peças de entretenimento sólidas e potentes. Em Jurassic Park, temos um diretor que consegue transitar confortavelmente pelos cenários do drama, do suspense e da ação como nenhum outro na história do cinema americano de grande produção.

As escolhas que Spielberg e seus roteiristas fazem para os personagens parecem inadequadas para um filme dessa proporção: seus personagens são inquietantes e incômodos, repleto de falhas e idiossincracias. Dra. Ellie Sattler (Laura Dern, cada vez mais poderosa) é uma mulher de personalidade forte, embora inserida num relacionamento com Dr. Grant, cede aos avanços do Dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum), ou porque gosta desse jogo perigoso de sedução, ou para fazer ciúmes em Grant; Malcolm por sua vez, embora seja um cientista articulado, dotado aparentemente das melhores e, até por isso mesmo, mais caóticas opiniões do filme, é um galanteador de mão cheia, colecionando casamentos fracassados; John Hammond (Richard Attenborough), que concebeu o parque dos dinossauros, é extremamente vaidoso, ganancioso e megalomaníaco, responsável por colocar a vida de todos em perigo; além das duas crianças, Lex, vegetariana e viciada em computadores, e Tim, apaixonado por dinossauros.

Há uma diferença entre dispor de personagens cativantes e personagens bem construídos, de personalidade forte. O carisma não necessariamente interfere nos rumos da narrativa e por isso mesmo personagens em tons pastéis constituem a regra geral para filmes blockbusters nos últimos tempos. Os quatro principais personagens de Jurassic Park, por outro lado, externalizam seus pensamentos e seus valores, fazendo que estes conduzam a narrativa, ao invés de submeterem-se à ela.

Porque no fundo o filme de Spielberg é sobre sobrevivência. É sobre colocar umas cinco ou seis pessoas num ambiente isolado e hostil, desarmados e indefesos, para observar como eles articularão suas inteligências para escapar daquele lugar.

O maior personagem, Dr. Grant, é um paleontólogo de renome internacional em um relacionamento vago e aberto com sua colega de trabalho, Dra. Sattler, que deseja filhos, enquanto ele não. As histórias se desenrolam em Jurassic Park em níveis claramente micro e macro: Grant e sua postura diante de Ellie e crianças no geral, e o grande tour no parque dos dinossauros, num espaço de tempo de cerca de um dia e meio.

Os rumos da história fazem com que os níveis macro e micro se entrecruzem o tempo todo, e a inquietação de Grant quanto a crianças é latente a todo momento, a partir do início até o ponto em que a inquietação não existe mais: o filme basicamente começa com Grant humilhando uma criança, apenas porque não gosta delas, e termina com o doutor abraçado a duas, olhando um pássaro pela janela, caracterizando obviamente que a percepção de mundo daquele personagem evoluiu e se adaptou diante de novas circunstâncias.

O ponto da questão aqui passa pelos personagens: embora todos sejam imbuídos de uma certa moral, suas personalidades criam-se e desenvolvem-se independentemente disso. Essa articulação na criação de personagens parece fazer com que Jurassic Park se destaque veementemente ao ser comparado com outros filmes blockbusters, especialmente nos últimos dez anos, que preferem visar seus personagens com um certo distanciamento. A esses filmes, importa no que os personagens podem contribuir à história, e não exatamente quem são.

Mas claro, há também o assombroso artífice de Spielberg. Uma farta introdução de quase uma hora precede o desbaratar da ação no filme, onde os personagens e o contexto geral do parque são introduzidos numa sucessão prolongada de cenas que, apesar de durarem juntas sessenta minutos, são dotadas de uma concisão narrativa sublime e oportuna.

A longa introdução também propicia um tom geral de suspense ou antecipação, extremamente fundamental para que a ação faça algum sentido. Não basta colocar personagens em perigo, perseguições etc: para que o efeito dramático da ação seja atingido, há de se ter o mínimo de identificação com certos personagens e o mínimo de familiarização com os contextos gerais da trama.

(Foi seguindo esse princípio, por exemplo, que Vince Gilligan formatou Breaking Bad: toda ação frenética do filme era precedida de vários episódios que exploravam o drama familiar de seu personagem principal, fazendo com que os breves minutos de ação rendessem uma sensação tão potente a ponto de se tornarem inesquecíveis).

Por isso Spielberg conduz vagarosamente o ritmo da narrativa, não apenas nos momentos introdutórios, mas também nas cenas de ação. Seu domínio da técnica fica evidente ao constatarmos que TODA ação do filme é antecipada, fenômeno que coloca o espectador cada vez mais imerso na história: o T-Rex (que a partir de Jurassic Park entrou para sempre no imaginário popular como o mais famoso dos dinossauros), o traidor, as cercas elétricas, os dinossauros pescoçudos e, principalmente, os velociraptors.

Após o ataque feroz do Tiranossauro Rex, Grant se abriga no alto de uma árvore junto das duas crianças e, ao recostar-se no tronco, sende uma fincada na região lombar. De um de seus bolsos laterais do colete ele retira algo que preservava para si como um token de sua profissão: uma garra fossilizada de um velociraptor, a mesma que ele usa para assustar uma criança que faz pouco caso do dinossauro no começo do filme; a cena no início antecipa a relação complicada de Grant com crianças e, ao mesmo tempo, o comportamento letal de um velociraptor. No alto da árvore, abraçado às crianças, Grant joga for a garra do velociraptor lançando-a ao chão. Somos remetidos a já mencionada cena no começo do filme, mas também, através de um close-up sugestivo, Spielberg indica ao espectador que o perigo está longe de terminar.

Outro exemplo de como o diretor domina os aspectos cinematográficos à sua disposição: as cenas de ação geralmente não são embaladas por nenhuma música. Muitos criticam a relação invasiva que a trilha sonora de John Williams possui nos filmes de Spielberg. Em alguns filmes, porém, o diretor foi capaz de usar a música como instrumento para potencializar efeitos dramáticos, ao invés de difundi-los. Casos como o de Tubarão, Contatos Imediatos de Terceiro Grau e aqui, em Jurassic Park. A música de Williams, até mesmo pelo seu caráter de grandiosidade, é geralmente reservada para os momentos de admiração: nas cenas onde vemos grandes paisagens e grandes feitos humanos (como os dinossauros pescoçudos na entrada do parque, por exemplo). Nas cenas de ação e perigo, impera o silêncio musical absoluto – ao diretor, interessa os ruídos: os roncos dos dinos, suas passadas, o tilintar dos talheres, o vento nas árvores, a chuva no chão. Sem música, o espectador é jogado para dentro da cena do perigo, tornando-se cúmplice da ação, sem a possibilidade de distanciamento. Não é por acaso que as duas cenas mais impactantes do filme tornaram-se icônicas: o ataque do T-Rex e dos Velociraptors são embaladas pelo perigo e suspense, e não por melodias sonoras que distanciam mais do que imergem.

A rasgação de elogios aqui não é sem motivo. Eu não sou nem tão fã de Spielberg assim, mas existem diferenças gritantes entre um bom filme e um blockbuster, na acepção do termo como vemos hoje. Aqueles que possuem uma relação mais passional com o cinema geralmente rejeitam os filmes arrasta-quarteirão, transparecendo uma atitude de arrogância às outras pessoas. Mas existem diferenças gritantes entre um bom filme e um filme pré-formatado. A questão de querer fazer dinheiro não deve ser considerada, já que todo filme deseja render lucros, dadas as características mercadológicas inerentes à produção. Existem motivos pelos quais todo mundo se lembra de algumas cenas marcantes em Jurassic Park enquanto algumas pessoas nem ao menos se lembram do nome daquele filme dos carinhas azuis. Existem diferenças entre um filme bem estruturado em relação aos aspectos cinematográficos e um filme esquecível, preguiçoso, desequilibrado. Jurassic Park praticamente inaugurou o uso de CGI realista no cinemão americano, rendeu milhões e milhões para todos envolvidos e entrou para sempre na história do cinema. Seu legado tem nome: Spielberg. O diretor que, ao longo de décadas de cinema, questione-se suas atitudes, seus objetivos e tudo mais, conseguiu consistentemente mostrar que existe a possibilidade de encontrar equilíbrio entre o popular e o bom cinema. Jurassic Park exerce um poder de imersão do espectador dentro de uma premissa absurda porque o diretor sabia como articular elementos dramáticos, narrativos e cinematográficos para tornar possível essa imersão, e por isso é um filme inteligente.

A inteligência que muitos pregam ser necessária para tornar possível a apreciação de um filme, creio eu, não tem a ver com a exploração de determinados temas ou assuntos. Mas tem a ver com a maneira que o(s) autor(es) do filme articula as relações cinematográficas disponíveis para criar a peça audiovisual pretendia: sejam ela um filme experimental japonês, um nouvelle vague, um cinema novo ou um exemplar de Hollywood. Se o cinema americano continuar investindo pesado em blockbusters, e tudo indica que continuará, é necessário, para a própria manutenção do cinema americano enquanto indústria cultural, que essa articulação seja melhor desenvolvida, porque o cenário vigente é de pura desolação. Talvez seja necessário dar alguns passos atrás, frear o uso de CGI, relegando-o ao lugar de onde não deveria ter saído (acessório), investindo mais pesado na criação de boas histórias. As exceções continuam a lutar contra um mercado cada vez mais sem noção, mas tornam-se cada vez mais escassas. Christopher Nolan, um diretor que não gosto, é um bom exemplo: concentra-se em questões dramáticas e narrativas na concepção de seus filmes, e dá o espaço mínimo ao uso de computação gráfica.

Comentários (8)

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 22 de Junho de 2015 - 17:45

Excelente texto, Guilherme. Meus parabéns.

Sobre o filme? OP indiscutível e os melhores efeitos especiais da história do cinema.

Daniel Borges | segunda-feira, 22 de Junho de 2015 - 18:39

Fez 90% das crianças gostarem de dinossauros...antes de 1993 mulecada nem sabia que isso existia.

Kennedy | terça-feira, 23 de Junho de 2015 - 10:32

Ótimo texto. Faz até o filme parecer bom.

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