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Críticas

Cineplayers

Jean Marc Vallee está de volta, e o horror de Dallas ficou no passado.

5,0

Se existia alguma dúvida ano passado, ela se dissipou esse ano: o outrora delicado diretor canadense Jean Marc Vallee se transformou numa máquina hollywoodiana de produzir material para atores brilharem em premiações, com proporções cada vez menos orgânicas. Ao menos esse ano algo da sutileza antiga parece ter voltado à tona; ao mesmo tempo que não dá pra observar a produção que ele alcançou e não ter saudade dos tempos de C. R. A. Z. Y. e A Jovem Rainha Vitória.

Em 2014, ele fez barba, cabelo e bigode com um dos filmes mais canhestros da temporada passada, Clube de Compras Dallas. Mal dirigido, montado e escrito, enganou todo mundo e ainda levou 3 carecas. Esse ano o nível do filme subiu (até porque era impossível cair mais do que aquilo), mas as indicações minguaram e chegaram na quantidade que deveriam ter tido ano passado. Se você é como eu e se assustou com seu filme anterior, pode embarcar sem medo aqui; não tem nada de especial, mas é um pequeno filme ao menos que aparenta honestidade, mesmo que não tenha absolutamente nada de novo.

Na premissa, uma busca por redenção. Motivada pela prematura morte da mãe, Cheryl Strayed entrou num processo hardcore de autodestruição depressiva e física, embarcando no consumo desenfreado de drogas e parceiros sexuais, tanto diversos quanto incontáveis, destruindo o casamento sólido e chegando num ponto difícil de retornar. Tudo isso é flashback em Livre, que no tempo real mostra Cheryl empenhada numa travessia quase hercúlea de 1.800 quilômetros na Pacific Crest Trail americana, lugar inóspito e repleto de desafios. Aos poucos vai percebendo o eixo voltar a duras penas, muita reflexão e encontros múltiplos, num processo que lembra o do jovem retratado no fabuloso Na Natureza Selvagem, de Sean Penn. Aqui, sua versão feminina parece meio mimada demais e com problemas típicos de alguém que sempre teve uma vida mediana nem precisou enfrentar percalços de verdade. Mas seu sofrimento é real, e Vallee nos apresenta sua trama com certo cuidado e serenidade, sem diminuir ou romantizar demais sua personagem. E tudo isso numa busca que nunca insiste no externo, mas do que é o interior de Cheryl; sem quase nenhuma explosão e bastante resposta interna, Valee vasculha o que não está exposto pra plateia.

Tecnicamente eficaz, o filme se apoia nas pequenas costas de Reese Witherspoon, uma atriz que poucas vezes demonstrou real talento (Eleição e Johnny & June são momentos quase únicos), mas que jamais devemos acusar de falta de empenho. Esforçada e com ânsia de evoluir, Reese dificilmente não ganha a simpatia de todos, e a verdade é que ela está num momento bem feliz. Sua indicação ao Oscar aqui vem coroar essa fase que inclui as pequenas participações em Amor Bandido e Vício Inerente, além da produção de Garota Exemplar (cujo protagonismo ela teve de ouvir do diretor David Fincher o quanto era inadequada para exercer), ou seja, não deixa de ser uma coroação, com cara de volta por cima depois de 9 anos da sua vitória na Academia; mas reparem, Reese não acerta em todas as cenas... tem camadas profundas de Cheryl que ela não consegue alcançar, embora o esforço seja visível. Já a indicação de Laura Dern... Bem, pra mim essa é inexplicável mesmo, independente de toda a simpatia e talento que essa sim grande atriz já nos demonstrou; não era pra tanto.

No fim das contas é muito bom dar de cara com Livre após o freakshow que foi a produção anterior de Vallee e perceber que a sensibilidade não precisa se esvair se você quer virar uma máquina de prêmios (e o próximo, estrelado por Jake Gyllenhaal - a esnobada mais dolorosa das indicações 2015 - já desembarca esse ano); o canadense delicado está ali ainda. Que ele perceba isso também e continue nesse processo de relapidar o que parecia perdido.

Comentários (5)

Gustavo Hackaq | sábado, 17 de Janeiro de 2015 - 17:31

"um dos filmes mais canhestros da temporada passada, Clube de Compras Dallas. Mal dirigido, montado e escrito, enganou todo mundo e ainda levou 3 carecas" parei aqui.

Ricardo Amaral Guedes | domingo, 18 de Janeiro de 2015 - 00:20

Achei Clube de Compras Dallas bem fraquinho. Pontual, como se estivesse seguindo notas num bloco de papel. Desabaria sem a dupla protagonista.

Patrick Corrêa | sábado, 07 de Fevereiro de 2015 - 12:39

Crítica lúcida e coerente, a não ser pela mota que me pareceu tão baixa.
O esforço de Reese é mesmo notável e não há nada de novo em contar uma jornada de recomeço em meio à aridez natural.

Augusto Barbosa | sábado, 07 de Fevereiro de 2015 - 13:25

Prefiro DBC a esse aqui, que também não é ruim, por sinal. Gosto do Vallée, ver os filmes "pra oscar" dele é belo um alívio se for comparar com as quase-torturas dos Imitation Game's da vida.

Whisterspoon está bem, "esforçada", como dizem, mas se traçar um paralelo com Wasikowska em Tracks, fica mais evidente que a primeira entrega pouco de realmente notável, apesar de fazer tudo nos conformes.

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