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Luciérnagas

(Luciérnagas, 2018)
4,7
Média
3 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Sem destino

4,5

A diretora e roteirista Bani Khoushnoudi de alguma forma tenta reproduzir sua própria situação de imigrante em seu longa, com variações amplas no cardápio de ideias. Igualmente estrangeira como seu protagonista, Bani estudou cinema nos EUA e vive na Cidade do México, enquanto Ramin veio da Turquia e vive afastado da capital mexicana em um desespero palpável. Se a intenção de Bani era realizar um filme incômodo na sua proposta de retratar um homem desconectado de tudo ao seu redor e errante em nível máximo, ela acertou. Ramin não consegue enxergar raiz onde está e nem de onde vem; quer voltar para sua terra, ao mesmo tempo em que foi ela o lugar onde mais sofreu, quer fugir de onde está e não sabe pra onde. Provável que esteja fugindo de si mesmo, que ele próprio seja o grande senhor de seus problemas.

O filme apresenta dois núcleos, Ramin e Leti, que é a dona da pensão onde ele está morando. Aos poucos eles vão interagindo cada vez mais, ao mesmo tempo em que suas trajetórias individuais também se desenvolvem. Ramin deixou um namorado na Turquia, Leti tem um ex que está retornando para a cidade. A pressão em torno de ambos será a mola que tentará mover suas trajetórias no breve período onde o filme se passa, cujo um dos principais méritos é mergulhar numa realidade já desenvolvida e obrigar o espectador a tentar acessar aquele lugar. Outra qualidade do projeto é só oferecer ao público o necessário, e o que por fim sobra não se trata de ponta solta, mas de elementos dramáticos dispostos a criar o relevo de sua trama, que não é vazia... Mas é excessiva.

Os elementos do longa são constantemente reiterados, tirando a força da ação e principalmente dos personagens. Entendemos o quadro de depressão de Ramin, mas não sofre introspectivamente, pelo contrário. O ator chora em profusão e a todo momento, chegando a parecer uma caricatura em algumas passagens. O filme não o preenche com outras chaves de seu estado, ele só chora - para comprovar sua tese. Ramin ou está aos prantos ou andando a esmo por uma cidade que pouco conhece, com a câmera seguindo esse homem entre destinos, percorrendo trilhos de trem, trabalhos alternativos, encontros furtivos e mostrando que também esses dados se repetem, além do normal narrativo e repisando informações. 

O filme tem uma atmosfera que corrobora essa melancolia aguda, direção de arte carregada na destruição e na decadência estética. Todos os lugares por onde os personagens circulam reforçam a ideia de que o filme está debatendo falências, morais, emocionais e estruturais. Ainda que imageticamente o filme não surpreenda ou sofistique esse discurso, é em prol dele que o roteiro se apruma. Seus personagens, ainda que secundários, vivem existências à margem do que a sociedade apregoa como aceitável, e o filme sutilmente elabora um pensamento sobre isso, ainda que tudo se mantenha no espectro da sutileza. Com as emoções explícitas e essa discussão nas entrelinhas, o filme tropeça no trânsito entre a discrição e a exposição. 

Uma reviravolta de atitude final do protagonista masculino bate de frente com o conflito muito insípido da feminina, que não chega a lugar nenhum nem se justifica. Por fim, nasce um personagem que saiu de um estereótipo a outro, entre o emocional e o visual, enquanto outro personagem nunca se justifica, parecendo sem função aprofundada e perdido no meio de outra trama. O lugar da discussão perde força por meio de lugares multi representados que nunca voltam a se ressignificar.

* Visto no 29º Cine Ceará, 2019

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