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Críticas

Cineplayers

Mais do que continuar a proposta Grindhouse, Machete a eleva a outro nível.

8,5

O novo filme de Robert Rodriguez literalmente nasceu de uma piada. Machete (idem, 2010) era um dos trailers que acompanhava o filme duplo Grindhouse: Rodriguez assinava a direção de Planeta Terror (Planet Terror, 2007) e Quentin Tarantino a de À Prova de Morte (Death Proof, 2007). A dobradinha foi uma homenagem dos diretores ao cinema B anos 1970: produções de baixo orçamento, esteticamente bem precárias, fortemente ancoradas na exploração do sexo e da violência nas telas. As releituras de Tarantino e Rodriguez a esse cinema de gênero não foram tão bem recebidas em termos de bilheteria: a estratégia de lançar os dois filmes em conjunto fracassou nos EUA, e o resto do mundo teve de assistir aos filmes separadamente. Sem falar que os fãs brasileiros de Tarantino tiveram de esperar até 2010 para ver o seu filme nos cinemas. De qualquer forma, o projeto foi uma grande demonstração do talento e da inventividade dos diretores, que conseguiram subverter as fórmulas prontas do cinema de gênero, criando produtos inventivos e pulsantes.

De certa forma, é preciso passar por toda essa introdução para entendermos os mecanismos cinematográficos que Rodiguez coloca em questão em Machete. Ainda estamos no terreno do filme B, e basta ler a sinopse para termos certeza: Machete é um imigrante ilegal nos EUA e um ex-agente federal no México. Por puro acaso, é envolvido em uma falsa tentativa de assassinato de um candidato a senador da extrema direita americana, e, por isso, se vê liderando a guerra entre imigrantes legais, ilegais, policiais, políticos, traficantes de droga, um padre e até uma freira! Se a princípio Machete parece querer manter-se no anonimato e fora de problemas, com o desenrolar dos acontecimentos ele aceita com convicção seu papel de personagem mitológico – não mais um homem, mas uma lenda.

Há que se dizer também que a narrativa é, antes de qualquer coisa, bastante divertida. A partir desse roteiro de absurdos e obviedades, bem característico do cinema B, Rodriguez tripudia do direito de criar imagens estapafúrdias e escatológicas. Para ficarmos só em um exemplo, a cena em que Machete foge pela janela do hospital já é antológica. Todos os elementos dos filmes de ação estão presentes para serem ao mesmo tempo construtivos à história e paródias de si mesmo: muitas explosões, sangue jorrando na tela, um herói que conquista todas as personagens femininas da trama, vilões caricatos, etc. Quanto mais clichê melhor.

E é justamente nesse ponto que o filme consegue fazer uma dobra no seu projeto de origem. Essa não é apenas uma continuação da proposta Grindhouse, mas sua elevação a um outro nível. Em primeiro lugar pela escolha temática. Enquanto os dois primeiros filmes eram sobre assuntos afastados das discussões contemporâneas, um sobre zumbis e o outro sobre um assassino sádico de mulheres, o novo filme de Rodriguez parte de uma questão atualíssima: a migração mexicana para os EUA. Não que tenhamos uma análise profunda do assunto ou um debate sério. Estamos longe disso – ainda bem! Mas o simples fato de abordar o tema já cola o filme a uma série de imagens sobre o assunto – do jornalismo, do documentário e até de outros filmes. Assim, ao rir de si mesmo, ao rir dos seus clichês recorrentes, ao rir do cinema, o filme também ri das contradições da sociedade americana. É um pouco como aquela piada que por mais absurda que seja tem um fundo de verdade.

Esse aspecto torna-se ainda mais evidente quando pensamos nas escolhas dos atores para o filme. Podemos começar pelo seu protagonista, Danny Trejo, que é uma espécie de personagem de si mesmo: ex-presidiário e viciado em drogas que ganhou um certo destaque no cinema por sempre fazer papel do bad boy mexicano. Seu semblante mal encarado, as tatuagens e o bigode inconfundível fazem parte do pacote. Então, escolher justamente Trejo para interpretar o herói entre os imigrantes mexicanos é uma forma de subverter valores e imagens do cinema atual.

O elenco feminino também é um prato cheio para as releituras de ícones da cultura pop atual. Temos Jessica Alba como uma policial do serviço de imigração: a pura imagem da heroína um pouco ingênua, porém bem intencionada. Michelle Rodriguez está desafiando seu destino de sempre fazer personagens que morrem – e deixamos a questão no ar para evitar spoilers. E o destaque principal não poderia deixar de ser Lindsay Lohan como Lindsay Lohan: uma personagem viciada em drogas que em determinado momento faz uma sex tape (na verdade, Lohan interpreta a filha problemática do empresário corrupto – mas este é apenas um detalhe).

As aparições rápidas de Robert De Niro, como um senador de direita, e Steven Seagal, como um chefão do tráfico de drogas, são a cereja em cima do sorvete para a ressignificação de imagens no filme. Assim, atrás de cada rosto conhecido, de cada frase de efeito, de cada cena clichê o que vem a mente é todo um arsenal de imagens. Uma espécie de memória visual coletiva: do cinema, da televisão, do jornalismo, da internet. É com base nessa memória que Rodriguez faz as suas piadas. E é porque vivemos tão mergulhados nela que nós rimos tanto.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | quinta-feira, 28 de Novembro de 2013 - 18:25

Acho Rodriguez um dos mais corajosos cineastas de Hollywood. O cara se arrisca à cada projeto como este. Anda na corda bamba e se mantém sobre ela sem cair. Deve-se reconhecer o talento dele.

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