Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

O cinema documental de Peter Morgan: semelhança com o real, na dramatização da vida.

7,5

Logo após terem sido revelados os nomes dos 23 jogadores convocados para atuar pela seleção brasileira, na Copa da África do Sul, era difícil encontrar algum veículo de comunicação especializado, ou até mesmo sair na rua e não passar por um grupo de quatro ou mais amigos entusiasmados, que não falasse sobre a importância do “futebol arte”. Era notório que Dunga, o então treinador da seleção, não havia feito suas escalações – e nem mesmo suas partidas – baseado numa idéia de futebol bonito, mas sim preocupado com os resultados. No caso de Dunga, nem mesmo o histórico majoritariamente vitorioso à frente da seleção bastou para que não fosse sacrificado antes mesmo de entrar em campo nesta última Copa (perdemos, verdade, mas a cruz veio bem antes). Dunga foi duramente criticado antes da Copa, durante a Copa e obviamente depois da eliminação. Mas o que tem a ver o gaúcho resmungão que todo mundo deu um jeito de jogar uma pedra durante os meses que passaram com este filme que preenche esta página do site? Absolutamente tudo.

Dunga é um arrogante absoluto, incapaz de abrir mão de suas crenças para ceder a apelos ou conquistar simpatia. Assim também era Brian Clough, notória figura do futebol inglês nos anos 70, cuja passagem breve por um grande clube é retratada neste Maldito Futebol Clube. Clough chegou ao Leeds United depois do então técnico, Don Revie, deixar o time após 11 anos no comando, para treinar a seleção inglesa. Revie era um ídolo no time, cuja carreira enquanto o tinha como treinador foi quase completamente vitoriosa, mas que segundo a visão crítica de Brian Clough (que nunca se privou de demonstrar sua reprovação pelo modo como o time era comandado e pelo futebol ofensivo e violento que os jogadores executavam) não passava de um mau técnico, que se limitava a fazer seus jogadores ferirem os adversários e imporem resultados à arbitragem. Clough assumiu o Leeds com pose de salvador, mas que não toleraria uma postura violenta por parte do time, dizendo que o que eles jogavam até então não era futebol e que os títulos que haviam conquistado não valiam de nada, pois não tinham glória. Como Dunga, sua visão e boca enorme acima da diplomacia. Como Dunga, a não-aceitação evidente.

Maldito Futebol Clube é um filme de dois autores. O primeiro deles, Tom Hooper, o diretor, com carreira estabelecida na televisão inglesa, com séries de sucesso de crítica e público. O outro, Peter Morgan, o roteirista, indicado ao Oscar por seus trabalhos em A Rainha e Frost/Nixon, não por acaso filmes realizados a partir de material real e adaptados para o cinema com a intenção de levarem um “olhar por detrás”, sobre tudo aquilo que ninguém sabe que aconteceu, mas que pode ter acontecido. A autoria de Morgan é evidente em todos os filmes que escreveu e não seria diferente em Maldito Futebol Clube, já que o filme respeita completamente a característica do roteirista em projetos onde há uma mistura de dramatização e imagens de arquivo, para que a semelhança com “o que vemos” e com “o que foi realmente” seja inequivocadamente explícita. A grande questão é, seria esta característica algo realmente interessante e necessário a estes projetos ou Morgan segue uma fórmula única e se limita à mesma estrutura?

A grande qualidade de Maldito Futebol Clube está mesmo na sua capacidade de surpreender o espectador ao longo do que imaginamos ser uma narrativa óbvia. A estrutura do filme, que parece padrão, logo se mostra menos evidente com a opção pela montagem paralela, unindo os momentos de início de carreira de Clough (e possível fruto de sua rixa histórica com Don Revie), sua ascenção e de seu assistente Peter Taylor, a histórica e espetacular escalada do time comandado por eles, o Derby County (que da lanterna da segunda divisão sobe para alcançar o título da primeira), até o momento que Clough assume o Leeds e tenta impor sua visão e técnica ao time que sempre sonhou comandar. Mas outra lógica é posta em cena, pois quando estamos confortavelmente tentando acompanhar essa estrutura, o que pareceria uma narrativa de sucesso e superação é subertida e revelada como uma impressionante viagem ao fracasso completo.

Clough, diferentemente de Dunga, era conhecido pela habilidade em lidar com a imprensa, mas assim como Dunga acabou decapitado pelas declarações à imprensa. No filme, os sentimentos vão sendo substituídos e a admiração que o espectador tem pelo personagem principal, até então herói, passa a ser questionada e relativizada diante de sua arrogância, pretensão e completa falta de tato no lido com o externo e tudo que foge da linha de sua doutrina. Clough passa a ser vilão, de certo modo, num filme que antes se pressupunha ser a história de seu brilhantismo profissional. E é nessas reviravoltas que Peter Morgan prova que suas técnicas podem ser perfeitamente semelhantes e aplicadas de modo ideal em cada um de seus projetos.

Tudo em Maldito Futebol Clube, a partir do início da derrocada de Clough dentro do Leeds, é surpresa e renovação, diante dos olhos do público acostumado sempre com a mesma história de superação. Apesar de eventualmente carregado demais na fotografia muito plástica, numa edição um tanto mais afetada do que deveria (em determinado momento, uma gag é estabelecida a partir da expectativa para um grande jogo, que o time acaba perdendo, e a única coisa que aparece em tela é o placar da derrota; mas o bom artifício é usado outras vezes, perdendo seu impacto), de se distrair no carisma incrível que Michael Sheen empresta ao Clough que constrói, Maldito Futebol Clube é um quase grande filme sobre redenção, uma quase espetacular lição de humildade de um personagem inacreditavelmente inteligente e terrivelmente arrogante, mas um excelente exercício de subversão de expectativas e que prova que o cinema é capaz de nos mostrar que podemos não saber de tudo, nos curvar e reconhecer que nem sempre o que parece que vai ser, será. Brian Clough, depois de comandar o Leeds, parece ter aprendido. Dunga ainda tem tempo.

Comentários (0)

Faça login para comentar.