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Críticas

Cineplayers

Fetichização da violência ou da perversidade. Ou os dois?

8,0

Martyrs pode ser traduzido como Mártires ou como Testemunhas. Ambas as interpretações cabem ao filme que causou polêmica na época de seu lançamento. Os realizadores chegaram a enfrentar censura, algo que quase sempre é um bom marketing para filmes que se propõem a extremos, como todos da atual onda européia de terror e exploitation: Alta Tensão, de Alexandre Aja, A Invasora, Eles, A Fronteira, [REC] e até mesmo Irreversível, de Gaspar Noé, que apesar de não ser assumidamente do gênero, certamente é uma influência. O que difere esses filmes violentos de similares americanos e japoneses é um enfoque mais humano e a quase unânime presença de protagonistas femininas.

O quanto menos se sabe sobre Martyrs melhor, pois o roteiro revela detalhes sobre personagens e trama compassadamente ao longo da narrativa. Mas pode-se dizer que a premissa é a história de Lucie, uma menina que fugiu do cativeiro onde sofria abusos; na instituição onde se recupera conhece Anna, e as duas criam um forte laço. Depois de adulta, Lucie ainda está atormentada pelos traumas de infância e deseja se vingar daqueles que arruinaram sua vida, mas acaba mergulhando num pesadelo onde arrasta Anna consigo.

O filme pode ser dividido em três atos: nos dois primeiros há elementos que remetem ao terror japonês e revenge movies, embora esbarre no melodrama. Apesar de uma produção modesta, a direção é eficiente, procurando transições, movimentos e cortes que ajudam a sustentar um ritmo tenso e cada vez mais sufocante. Embora abandone o tom mais realístico dos dois primeiros, o terceiro e último ato é o mais surpreendente e difícil, lidando com um tema metafísico e desafiando o espectador a testemunhar o enorme sofrimento da protagonista, uma conclusão surreal que deixa margem a interpretações.

O diretor e roteirista Pascal Laugier, imprime um tom depressivo que permeia o filme inteiro e tenta criar um revenge / torture movie com mais ênfase no lado psicológico. Ele até poupa o espectador, afastando a câmera do que poderia ser considerado extremo demais, mas mesmo assim o filme é para os que têm estômagos fortes. Vai provocar divisão, mas amando-o ou odiando-o, não é uma experiência rapidamente esquecida. Interessante notar que ele evoca imagens do Holocausto em diversos momentos, provavelmente uma das referências mais fortes do quão longe a perversidade humana já foi, e quando se coloca nesses termos, os acontecimentos do terceiro ato se tornam perturbadoramente verossímeis.

Laugier não se contenta em apenas assustar ou criar nojo, mas arrisca analisar a mente de vítimas e algozes. Não é exatamente profundo, afinal não vamos nos enganar - ainda é um filme de terror e quer chocar -, mas demonstra um pouco mais de coragem e traz a tona a discussão em torno de até que ponto um cineasta pode atravessar uma linha entre o que seria justificado e gratuito. Tanto ele quando os outros cineastas da nova onda de terror europeu querem fazer o mesmo que americanos e japoneses tentam, que é deixar o espectador assustado, enojado e tenso, mas o fato desses cineastas assumirem mais riscos e incomodar o espectador, desafiando os limites, deu um novo ânimo para os fãs do horror nessa década.

Coisas que apenas um filme pequeno feito fora dos grandes estúdios conseguiria, mas infelizmente Laugier já está em Hollywood preparando uma refilmagem, destino cruel da maioria dos cineastas do gênero.

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