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Críticas

Cineplayers

Woddy Allen em uma íntima e apaixonada visita à Paris.

8,0

Se é verdade que Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011) é o primeiro Woody Allen filmado em Paris, também é verdade que, com exceção de Manhattan, sua cidade-mater, nenhuma outra cidade no mundo é tão familiar ao universo do diretor quanto a capital francesa, o que faz com que os pouco mais de noventa minutos de filme transcorram sem qualquer sensação de estranhamento; pelo contrário, a familiaridade, a intimidade e a relação intensa de Allen com a cidade e sua mítica são tão orgânicas que a pergunta a ser feita não é por que motivo ele filmou em Paris, mas porque ele não o havia feito antes.

Paris sempre aparecia em citações, diálogos e como parte do enredo de alguns de seus filmes – dentre eles o bonito e injustamente esquecido Todos Dizem Eu Te Amo (Everyone Says I Love You, 1996) –, mas agora aparece de maneira central, não apenas como espaço geográfico, mas como história, como palco efetivo e/ou simbólico-mitológico de parte considerável da história da arte – este que é dos temas centrais da obra de Allen e, mais do que nunca, de Midnight in Paris.

Se as citações sempre fizeram parte de sua obra, aqui temos uma radicalização, na qual o personagem principal, e de certa maneira padrão de sua obra, o artista frustrado profissional, existencial e amorosamente, dessa vez vai interagir diretamente com seus ídolos - já que, em determinado momento, é convidado a entrar em uma espécie de máquina do tempo e volta à Paris dos anos 1920. Lá, interage com uma série de personagens, que vão de Scott e Zelda Fitzgerald a Gertrud Stein, passando por Cole Porter, Hemingway, Picasso, Dalí e Buñuel, dentre outros. Todos eles vão servir como uma espécie de conselheiros para Gil (Owen Wilson, muito bem).

Aliás, a maneira com a qual Allen concebe os personagens-artistas é muito interessante: eles são uma espécie de fusão entre os lugares comuns, os clichês interpretativos acerca deles e de sua obra, e a forma como ele, Woody Allen, os enxerga através de seu personagem, o que permite que o filme não fique refém do peso mitológico das figuras a quem dá vida, num movimento que havíamos visto em Sonhos de um Sedutor (Play It Again, Sam, 1973), e vemos aqui de forma ainda mais radical e ousada. Dessa maneira, em meio a Hemingway falando de guerras e caçadas e Dalí falando de rinocerontes, podemos ver o personagem de Owen Wilson sugerindo a Buñuel fazer um filme onde as pessoas ficassem, sem motivo aparente, presas em uma sala após o jantar. Allen brinca com O Anjo Exterminador (El Ángel Exterminador, 1962), obra decisiva do maior cineasta espanhol – que inclusive já recusou um convite do diretor para interpretar a si mesmo em cena de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977), a mesma que acabou sendo feita pelo teórico Marshall Mcluhan.

A premissa do filme é clara: estamos sempre insatisfeitos, não importa em que tempo vivamos. Gen vai viver seu paraíso na década de 1920, onde Muse, sua amante, por sua vez, se vê insatisfeita, evocando a belle epóque como o “tempo perfeito” - numa divertida mise-en-abyme onde ambos entram numa carruagem e rumam para o fim do século XX, onde ouvimos Degas e outros artistas nostalgicamente se referindo ao Renascimento como um tempo realmente grandioso. E é nessa chave que Meia-Noite em Paris se torna um grande filme; o passado aqui é uma forma de potência do presente e celebração da cidade. Se em Manhattan (idem, 1979), Allen filmou a cidade encantadoramente contraditória à qual é umbilicalmente ligado, aqui ele filma a cidade pela qual é apaixonado.

Nessa perspectiva, os planos iniciais do filme ganham enorme força. Woody Allen filma Paris com incrível paixão, sem qualquer medo do clichê: quase todos os símbolos estão lá, da Torre Eiffel ao Museu do Louvre, lindamente enquadrados e fotografados. Afinal, ainda que percorra as questões existenciais de sempre, o que temos aqui é um filme sobre a cidade. “É possível amar duas pessoas?” pergunta um desorientado Gen à guia do museu vivida por Carla Bruni, se referindo a Rodin e Camille Claudel, sua amante. A guia lhe responde algo como “sim, de maneiras diferentes”. Ao vermos uma Paris filmada com tamanho amor pelo mais novaiorquino dos diretores, entendemos no íntimo a resposta.

Visto no Festival de Cannes 2011.

Comentários (1)

Renato Coelho | sexta-feira, 01 de Março de 2013 - 15:10

Já vi filme chato, mas esse ganha de todos. Nota 3.1

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