Daniel Gonçalves. Homem. Branco. Cis. Jovem. Hétero. Em algum momento, o que está explícito desde as primeiras cenas de Meu Nome é Daniel é verbalizado pelo mesmo. Sim, ele é isso, e também um privilegiado rapaz de classe média nascido há pouco mais de 30 anos de uma família claramente amorosa e bem-sucedida. Daniel ainda é bonito, não aquela beleza assustadora de vitrine, mas dono de um carisma avassalador, de bom humor inegável e uma vontade ímpar de vencer. Isso tudo transforma Daniel num exemplo de ser humano? Talvez não. Na verdade, isso não trás qualquer diferenciação a ele, e isso é sua maior busca — ser mais um cara. Agora, com um talento incomum para se retratar nas telas.
Daniel nasceu com uma deficiência. Tem problemas de fala e locomoção que prejudicam seus movimentos e sua comunicação. O diagnóstico sobre sua condição nunca foi descoberto, mas Daniel decidiu que isso era um belo mote para um filme, e também uma desculpa razoável para estrear atrás das câmeras e tornar sua porção cineasta visível ao mundo. Daniel tem razão, esse é mesmo um ponto de partida muito especial para começar um longa, mas também é uma forma insuspeita de não apenas se investigar emocionalmente como também se descobrir, e ele fará ambos. Provavelmente após anos, Daniel hoje tem poucos medos e muitos impulsos, e isso é uma excelente característica para qualquer cineasta. Para um que filme a si mesmo é uma virtude que se estampa na tela.
Outra coisa a se observar é um caminho sutil que nunca é dito em cena. Daniel cresceu sendo filmado em casa. Sua família cultivou esse hábito desde antes dele nascer e desde bebê o cineasta é inundado por câmeras na sua frente, por um pai que era uma espécie de diretor de sua vida e por uma mãe que ensaiava o ator que Daniel poderia ter sido. Ou seja, o gene do realizador foi plantado pelo seu entorno, que cultivou sem saber um jovem prodígio. As limitações de Daniel não impediram seu trabalho de pesquisa dentro do extenso material familiar que possui, seus enquadramentos muito acertados e até ambiciosos e sua maneira de contar a história proposta com muita propriedade e principalmente desprendimento. Daniel realiza um filme maduro onde não conseguimos ver a diletância comum a uma estreia.
Talvez nesse sentido tenha sido acertado começar contando a própria história, e a busca seguinte que originou seu roteiro. Travando paralelo entre as imagens de arquivo particulares e as que o diretor capta exclusivamente para o longa, o trabalho de Vinicius Nascimento na montagem é o auxílio perfeito para qualquer cineasta, que dirá um iniciante. Junto a ele, Daniel consegue entregar sua vida de maneira fluida e passional sem jamais ter qualquer toque piegas ou melodramático, e muitas vezes até acessando o humor escancarado. O filme entende seu potencial de comunicação e o utiliza na medida, elevando o material do jogo que poderia ser de interesse exclusivamente pessoal a algo de caráter universal, humano e intenso, em meio ao desespero de procurar e não ter respostas.
Se Daniel, o diretor, erra em algum momento, é numa possível imaturidade em transformar o Daniel, personagem, um portador de estandarte. Sua fala de encerramento é potente e necessária do ponto de vista particular, com certeza o engrandece como ser humano, mas soa forçada em cena. Para piorar, ele não apenas a utiliza (e, vá lá, é uma conclusão de fluxo de pensamentos muito adequada e cheia de vigor), mas ele resolve espelhar essa fala imageticamente, em camadas que vão se seguindo e completam um desfecho problemático. Mas, poxa, é um escorregão de um estreante que aparece como uma voz dissonante de qualquer outra do mercado e que consegue exteriorizar seus demônios, sua sagacidade e o brotar de seu talento. Não é pouco.
Filme visto no 7º Olhar de Cinema de Curitiba, em junho de 2018
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