Metido a caótico, mas sem o tesão anárquico necessário pra se avacalhar
Comédia com sci-fi. Propositadamente irritante, por vezes ao ponto disso ser mais um enchimento de saco cometido pela fita ao invés de ser um propósito de mensagem. Talvez fosse uma prosopopeia do autor para o inanimado digital do filme. Usa dos mais variados esquemas chavônicos modernosos para a aplicação de um comentário de costumes e políticas. Pincelando elementos vários, biçando até no nazifascismo, porém sem aprofundar porra nenhuma. Mas creio que a intenção seja essa. Como um adolescente tendo acesso ao Tik Tok. Uma ebulição de temas escrachados. O constrangimento como modo de operação. Causar isto no espectador. As atuações afetadas fazem parte desse pacote. Essa estrutura artificialesca embalsamada de uma crítica social rima com outros trabalhos do diretor, como em Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2013), onde até a dentição exagerada de Tilda Swinton se assemelha com a de Mark Ruffalo aqui. Como se esta formatação bucal estranha servisse como molde de sujeitos cínicos desprovidos de empatia e que fossem ratos a devorar o que sentissem que fosse necessário. Não sem uma dose de regozijo. A luta de classes em pauta nas obras do Bong Joon-ho. Mas aqui não há a urgência desesperadora do material de 2013. E se agarra mais ao absurdo através de um humor via constrangimento.
A estrutura elíptica de seu protagonista é quase um maneirismo específico de Hollywood em lidar com temas como a morte e o tempo. Por vezes buscado o humor para se fazer vencer o exagero da premissa. O truque é pelo menos não deixar o negócio cansativo por demais. Aqui se busca debater a questão pelo prisma da existência física de dois sujeitos. Os múltiplos. Passa rapidamente pelas repetições e foca na dualidade dessas figuras. Outro tropo viciado do cinemão. O que diabos a se fazer quando existem duas criaturas iguais em aparência? O fato de usar a brincadeira como escudo de sagacidade é um simulacro de isenção. Ora funciona, ora não. Aqui, fica pelo meio do caminho, como o grosso do todo a ele relacionado. Aliás a própria condição de idas e vindas da morte e retorno e a figuração de Mickey como múltiplo é um veículo para o comentário político ácido de Bong Joon-ho. A força do discurso chama mais atenção (mesmo que ele não tenha o estofo que intenciona, como frescarei mais adiante sobre isso) do que as ações fílmicas daquilo que se prezam seguir, obviamente até o encerramento óbvio da resolução final com algum tipo de delírio visual de grandeza. Sempre aquele fechamento apoteótico que vai inventar algum tipo de catarse fajuta. É um projeto com grana nos bolsos e que tem como opinioso o cinismo da participação do jogo que faz parte. É um engodo embusteiro, que não chega as raias do desastre/cara lisa de Matrix Resurrections (The Matrix Resurrections, 2021) com sua muleta de filme ruim proposital, mas segue a língua tragicômica que é gostada por ruliúdi. E, sem muitas agressões. Mesmo que seja bom salientar que os citados nesse texto não foram lá muito bem recebidos em termos de triunfo de público fora alguma exceção. Ou seja, há uma tentativa de repetição dalgum caso de sucesso? Ou é uma válvula de escape para um cinema menos polido? Ou bosta nenhuma, já que frescar com 100 milhões não coisa dos engravatados. Descubram aí.
Lembra Não Olhe Para Cima (Don’t Look Up, 2021) no excesso de idiotia das lideranças políticas e econômicas, aqui com um verniz de Sci-fi mais objetivado e com uma tragédia anunciada, mas não tão apocalíptica. É a mostra dos limites de capacitância do cinemão em ser crítico por sobre contradições ocidentais de suas próprias governanças. Com alusões a Donald Trump e Elon Musk, coisa que Adam McKay também fez no seu citado acima. Mesmo com toda esta maçaroca de emporcalhamento dessas figuras, o texto e narrativa não são estraçalhadores. Não fazem mal a ninguém. Inclusive vivem em dependência das mesmas estruturas que criticam. Torcem para que sejam contempladas com olhares de diversão e ironia, o que acaba por deixar a gênese de suas mensagens em segundo plano. Por mais contraditório que isso possa parecer. Mas a meu ver funciona de uma maneira que o manifesto é tentado como forte, mas a sua força é medida pelo nível de projeção que se pode alcançar dentro dos limites aceitáveis e propostos pelos donos. Nisso fica um papo por cima e crítico, mas que não apresenta nenhum arroubo além das piadas mais espertas. Alguns sobrepujam as ações e noutros o discurso se apequena por demais. Em Mickey 17 o palavreado é até mais forte, o que é bom já que as ações não são lá estas coisas, apesar da boa qualidade visual da produção. Pra fazer uma crítica com um projeto de orçamento parrudo, no fim do nono círculo do inferno, é preciso entreter. Nessa brincadeira o negócio fica meio assexuado mesmo, forte no barulho aqui e ali. Sem tesão. E os dilemas sobre a estupidez das lideranças ainda caem na mesma trava de consciência com a jumentice dessas lideranças, como matar um filhote de um animal que se desconhece a procedência e o que ele pode fazer, assim como levar a cabo a ideia de explorar a mineração de um meteoro que causará uma hecatombe ao invés de corrigir sua rota. É meio que um cacoete desse tipo de obra. Que adapta babaquices diversas de lideranças retratadas em filmes outros e com alusões óbvias a figuras reais – o que diverte e amedronta do mesmo jeito. O cinema norte-americano gosta de mostrar um certo desdém por autoridades quando lhe é conveniente, mas na massacrante maioria das vezes sem uma ofensa severa que valha um questionamento mais rigoroso, mesmo que levado na putaria. Fuga de Los Angeles (Escape From L.A., 1996) de John Carpenter é um exemplo de sarro descontrolado que tivera consequências, afinal Carpenter nunca mais teve acesso a orçamentos fora do cinema independente por ter sido sacana com cultura política de seu país assim como tirou um sarro dos estúdios e acabou dando um puta prejuízo na bilheteria. Num tempo onde a ironia sem prejuízo já era um problema, com ela então, piora tudo. Ou um Tropas Estelares (Starship Troopers, 1997) do Paul Verhoeven, que alopra no antinazismo como figuração histórica a mostrar a reencarnação dos autoritarismos, e sem qualquer preocupação proselitista chorosa. Mas estes colocados – os bem mais contemporâneos afirmados aqui (inclusive o alvo do texto) – bailam em discursos especiosos nalguns momentos, mas quando não superficiais soam apenas travestidos de críticas agudas. Basta entreter. E é sobre entretenimento também que o diegético visa se impor, pela suposta grandiosidade frente as câmeras. A criação de personagens teatrais populistas para se fazer engrandecer. Por isso a escolha da imposição via imagem, que é coisa muito usada na política e dominada por figuras eleitas como o Trump – que até o tiro que levou usou como ferramenta. Aqui se teima nessa iniciativa, entreter e engrandecer a si próprio através de atos tortos de bravura, ou de vitimismo – o ex-presidente Jair Bolsonaro choramingando no hospital a cada acusação, por exemplo, não é de graça.
É um troço até divertido para debater. Como filme, bem marromeno mei marromeno. É um humor excessivamente didático que planeja o caos, mas não é anárquico suficientemente para tal. Tem algumas sacadas legais e outras pangarés e um ritmo paia. Com incongruências de roteiro, mas eu queria era que tivessem mais delas [BEM MAIS]. Que se foda a punhetagem do cinema clássico por demais. Quero mais confusão. Mas esse aí fica ali pelo anódino.
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