6,0
Criada por Stieg Larsson, a saga de livros Millenium é um sucesso internacional de público e crítica. O autor com sucesso conseguiu aliar dois protagonistas carismáticos - o jornalista Mikael Blomkvist e a hacker Lisbeth Salander - a uma trama de suspense investigativo que lidava com assassinatos em série, tráfico humano e problemas sociais inerentes à Suécia. Uma trilogia feita no país conseguiu despertar o interesse internacional e lançar a atriz Noomi Rapace, mas grande parte do prestígio ao menos com a crítica mundial se deve a Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, filme dirigido por David Fincher e estrelado por Daniel Craig e Rooney Mara.
“Ao menos” porque, se o filme foi considerado uma excelente obra, a atmosfera sombria e a metragem extensa não traduziram em grande sucesso de público. Talvez aí que se deva a nova adaptação A Garota na Teia de Aranha, dirigido por Fede Alvarez (Evil Dead, O Homem nas Trevas) e com Claire Foy (The Crown, O Primeiro Homem) no papel de Lisbeth Salander. Filme que já nasce com um diferencial: ao invés de dar sequência ao filme de Fincher, adapta o homônimo quarto livro da série, sequência autorizada pela família de Larson e escrito por David Lagercrantz. Lançado em 2015, era o único que ainda não tinha uma adaptação própria.
Algo salta aos olhos de partida: é uma história muito menos intimista que as anteriores. Se Mikael e Lisbeth antes haviam eviscerado o passado sombrio de uma família sueca e lidado com criminosos ligados ao passado da hacker, em A Garota na Teia de Aranha a questão familiar fica em segundo plano para uma ameaça em escala global: após um rápido flashback que dá conta de como Lisbeth escapou de uma família abusiva, a hacker reparte o tempo entre ser uma vigilante que salva mulheres abusadas e chantageia os agressores e aceitar um trabalho que envolve roubar um software da Defesa americana que dá acesso a um simples computador nuclear a todo o arsenal nuclear do planeta. Com a ajuda de Mikael, deverá lidar com a sinistra organização As Aranhas, que acompanham cada passo seu.
O esmero dos mistérios bem pensados foi quase que completamente embora: o filme recusa o desenvolvimento lento dos anteriores e investe com muito mais dedicação na ação. Aqui Mikael é chutado para escanteio e várias sequências são dedicadas a Lisbeth envolvida em conflitos físicos, perseguições de carro, resgates, tiroteios e invasões. Com o conflito em escala global a ser resolvido, não chega a ser exagero que A Garota na Teia de Aranha parece uma versão feminina da série 007.
Fede Alvarez, como é possível ver em obras anteriores, tem um cinema altamente versado em set-pieces, grandes orquestrações de pequenas unidades dramáticas entrelaçadas por um conflito. A trama de dominação mundial, então, remotamente ligada ao passado de Lisbeth, é decantada em cenas em que Alvarez, acostumado ao terror, filma determinados momentos com especial criatividade para um filme de ação - como quando Lisbeth é sedada e tenta escapar da morte certa. Movimentos de câmera subjetivos e nervosos, perspectivas inusitadas e cortes rápidos de um filme sem muita paciência para compôr imagens criam uma cena de um suspense vibrante, onde muito por causa dos antecedentes do diretor a fisicalidade e o desgaste da ação são muito mais presentes.
Tão diferente de Noomi Rapace e Rooney Mara, Claire Foy pode em um primeiro momento não parecer ter muito a ver com o personagem mas defende com dignidade uma Lisbeth Salander menos “freak”, com visual menos chamativo, com menos acessórios bizarros, com a raiva por abusadores sendo mais fria e menos temperamental. No todo, é uma composição mais sóbria e melancólica do que as anteriores - mais “gótica” e menos “punk”, e também mais madura, o que parece ser um caminho natural para a Lisbeth de Mara, após lutar o crime de alto escalão por tanto tempo.
Claro que não ajuda criar essa conexão quando os filmes tem tão pouco a ver, o de Fincher sendo um perturbador caso de arquivo morto e o novo sendo uma aventura escapista. Mas fatores como a grosseria típica do horror gore e um final até que corajoso para um gênero de filme tão catártico, explorando uma perda da protagonista e não uma conquista, colocam A Garota na Teia da Aranha acima do produto de ação médio - mas ao custo de fazer o “Millenium menos Millenium” já visto.
A trama em escala global não me agradou muito. Destoa muito do tom da série. Sem falar no final - achei bem nada a ver, meio que enfraqueceu a já enfraquecida história d'As Aranhas.