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Minari - Em Busca da Felicidade

(Minari, 2020)
7,3
Média
101 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Sobre afeto e raízes

8,5

Baseado na história pessoal do diretor Lee Isaac Chung, Minari conta sobre imigrantes coreanos nos EUA nos anos 80. A família Yi decide mudar da Califórnia para o Arkansas. O objetivo dessa mudança é uma tentativa de melhorar de vida através da plantação e da venda de alimentos. Enquanto o sonho não se concretiza, os pais precisam trabalhar por longas horas como funcionários em uma fábrica. Para auxiliar na rotina exaustiva e de brigas frequentes, a vó Soonja é convidada a morar com eles.

O sentimento mais presente ao longo do filme é o afeto, seja entre os personagens, seja entre o espectador e a história. E talvez seja esse sentimento que faça com que o espectador se sinta apegado aos personagens e à profundidade de cada um deles. Creio ainda que a simplicidade das paisagens (naturais e minimalistas) favoreça para uma abordagem do filme com foco na trama familiar e suas repercussões.

Jacob é um pai que sonha melhorar de vida. Tendo sido difícil a vida na Coréia, a ida aos EUA acumula nele uma esperança (compatível com o contexto dos anos 80). Ao longo da narrativa, vemos essa relação pai e novo país sofrer diversos conflitos, os quais desdobram-se para questões internas, dúvidas e frustrações.

Já Monica é uma mãe e esposa atenciosa, mas excessivamente disciplinadora. Parece tentar sustentar uma dignidade em tudo que faz, embora pouco olhe para si, apenas para aqueles ao seu redor. A solidão é notória em Monica, que parece sentir falta do seu país e cultura (destaco sua emoção ao receber as encomendas da Coréia). Seu ar tenso carrega uma constante preocupação.

O principal motivo da preocupação da Monica é David, o filho mais novo e centro da narrativa, que apresenta um problema no coração o qual pode parar a qualquer momento. Por conta disso, sua mãe lhe dedica uma atenção excessiva e quase exclusiva. David é uma criança observadora e contida devido à sua condição. Sem poder correr e brincar como uma criança normal, David é sempre lembrado da sua fragilidade.

Ambos David e sua irmã Anna são filhos de imigrantes coreanos nascidos nos EUA. Além do inglês fluente, as crianças estão adaptadas e identificadas com a cultura americana, de modo que o conflito entre cultura ocidental e oriental é notório. Fora de casa representam em seus corpos a cultura oriental entre colegas da escola. Os irmãos recebem frequentes comentários e perguntas com tom xenofóbico em sua maioria.

Pelo fato de crescerem num país ocidental, e devido às constantes piadas sobre sua cultura, os irmãos optam por aproximarem-se da cultura americana, comportando-se dentro de casa com um certo distanciamento dos hábitos culturais coreanos, bem como alimentação, relação com a natureza, convivência familiar.

Tal conflito torna-se ainda mais evidente com a chegada da avó Soonja da Coréia. Sua chegada faz com que a dinâmica da casa modifique. Mais do que isso, Soonja traz consigo diversos costumes e valores de seu país. Com uma personalidade livre e divertida, Soonja é uma avó pouco convencional, mas autêntica e solidária.

A avó parece ser a personagem chave da narrativa (principalmente sua relação com o neto David e sua fragilidade). E não digo isso apenas porque ela é a minha personagem favorita (incrivelmente atuada pela vencedora do Oscar Youn Yuh-jung, em 2021), mas porque sua presença tem grande impacto no ritmo da trama. 

Uma vez que esta é uma família de imigrantes por muito tempo longe do seu país de origem, a vó Soonja representa a chegada de uma Coréia personificada. Além de trazer consigo produtos coreanos, a vó mostra, principalmente aos netos e ao espectador, que sua relação íntima com a natureza (cabe a ela apresentar a planta que dá nome ao filme), o conhecimento da sua cultura e o envolvimento com a família representam a memória da Coréia e dos seus valores no centro desta família.

A presença de Soonja, e tudo que a trajetória dessa personagem apresenta, acaba estimulando conflitos novos e antigos, levando a família a sofrer profundas transformações particulares e coletivas – como a relação de David com sua condição cardíaca e o conflito dos pais. Ainda que sejamos tomados pelo percurso de uma família de imigrantes em busca de melhores oportunidades diante dos hábitos de outro país, a grande verdade que Minari parece sustentar em sua essência é o valor das nossas raízes.

Sendo minari um vegetal que cresce facilmente e de modo acessível, o símbolo de resistência elabora um fácil paralelo com a adaptabilidade e determinação dos imigrantes. Mais do que isso, trata-se de uma planta coreana e, portanto, parece oferecer à família Yi a consciência de quem são e o que representam enquanto cultura, família, vida e sonho.

Minari é um filme delicado, sobre imigrantes, afeto e raízes. Com câmeras de movimentos suaves, cores abertas e muitas filmagens externas, o filme usa a natureza como forma de dialogar sobre aquilo de mais puro nas relações (podemos lembrar de Naomi Kawase). Ainda que a família Yi nos pareça convencional inicialmente (mas só pareça), cada integrante da família apresenta profundidade, complexidade e consistência, o que potencializa a narrativa e nosso envolvimento com a trama (como Assunto de Família, de Hirokazu Koreeda).

Minari, portanto, cria raízes facilmente, graças ao modo fácil como germina, também no espectador, empatia e aproximações culturais; elementos fundamentais que nos envolvam  nos dias de hoje.

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