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Críticas

Cineplayers

A esterilidade de uma narrativa.

5,0

O leve ar de pretensão que paira sobre Minhas Tardes com Margueritte (La tête en friche, 2010) parece jamais encontrar resposta em qualquer mérito ali presente, devido à, principalmente, não tratar-se de nada além do convencional, de uma obra que nunca alça os voos condizentes com sua ambição. Tudo por decorrência da velha cartilha de programação, que está lá sempre guiando-o, esquematizando-o, desde os créditos iniciais até seu desfecho. Não seria desonroso, portanto, equipará-lo aos dramas padrões que preenchem incessantemente o cinema norte-americano.

Se fosse trabalhado com mais competência, certamente poderia contornar a simplicidade de sua história e convertê-la em um interessante estudo de personagem, bem como uma análise sobre as interações humanas. É até verdade que ele investe sim nestes quesitos, mas sempre de um modo superficial, pobre, apostando sempre no carisma de seus intérpretes como sustentação principal para toda a trama, toda a narrativa, todo o filme. No entanto, a capacidade dos atores não é o bastante para dar o peso que tanto necessita o roteiro e a direção. É um trabalho frágil, não apenas pela ausência de personalidade de seu texto, mas também pela esterilidade de sua narrativa, que não apresenta qualquer elemento que venha a adicionar aos seus méritos, nem ao menos a coordená-lo por um caminho que não o da previsibilidade.

O que vemos aqui é, mais do que tudo, um filme sobre a piedade. Não a piedade para com terceiros, mas direcionada a própria vida, a uma chance que o destino fornece para corrigir alguma pendência passada. No caso, temos Gérard Depardieu vivendo o mal educado feirante Germain, que, em uma fatídica tarde ensolarada, conhece uma delicada velhinha (Gisèle Casadesus) que folheia calmamente um livro no banco da praça. Sentando-se ao seu lado, ambos passam a falar sobre a vida ao seu redor, mas propriamente aos pombos que se alimentam naquele local. Essa agradável conversa faz com que aquele rude trabalhador venha encontrar a educada senhora todas as tardes, na mesma praça, no mesmo banco. Ela lhe confessa o amor pela leitura e passa a ensiná-lo a importância das palavras, e, dessa forma, Germain utiliza aquele aprendizado em seu dia a dia, para cobrir também a vida escolar improdutiva que teve quando pequeno.

Há realmente uma agradável doçura na interação entre aquelas duas personalidades, entretanto, esse elemento é provindo principalmente da belíssima dinâmica entre os carismáticos atores. Essa pequena parcela de mérito, portanto, não cabe ao roteiro, que modela uma figura digna de pena em seu protagonista, incluindo flashbacks desnecessários para apresentar ao espectador o quão infeliz aquele feirante foi em sua infância e como aqueles fatos afetaram negativamente sua personalidade. Todo esse discurso de piedade poderia ser convertido em um diálogo que fosse, qualquer coisa para poupar o desenvolvimento da trama com incessantes retornos ao pretérito. Para tomarmos ciência de que, por exemplo, a doce velhinha é tratada com desdém por seu sobrinho, não precisamos para tanto investigar seu passado, basta uma pequena fala pronunciada pela personagem para entendermos sua triste condição de abandono. Nesse ponto, a Sra. Margueritte mostra-se um personagem bem mais interessante que o próprio protagonista da história.

Certamente, o roteiro não precisava se esgotar ao máximo apenas para nos transmitir que, mesmo com os poréns de seu passado, o humilde feirante agora pode ser alguém com o impulso positivo dado pela letrada senhora. É uma mensagem de superação rasa, esgotada, tanto pela previsibilidade de toda a sessão quanto pelos artifícios que o diretor/roteirista utiliza para explicitar a lição de moral de seu filme. Essa subestimação para com o intelecto da plateia faz com que Jean Becker anule a reflexão que seu projeto deveria por obrigação promover; o resultado então fica por conta de um filme cansado, exausto pela unidimensionalidade de seu roteiro, pela escassez de sua narrativa e, principalmente, por uma moral já vencida há muito tempo.

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