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Críticas

Cineplayers

Fiasco de bilheteria, entende-se: o filme é um sub-produto inglês lotado de clichês.

5,0

Não é uma continuação fracassada, mas é como se fosse. Miss Potter, a cinebiografia da escritora britânica de livros infantis Beatrix Potter, foi uma tentativa de reviver nas telas a química que, sejamos honestos, nem tinha dado tão certo assim entre Renée Zellweger e Ewan McGregor em Abaixo o Amor. Resultou num filme que é uma sucessão de clichês dos filmes água com açúcar, do feminismo, do filme histórico inglês e, claro, dos clichês de Renée Zellweger.

Praticamente em 100% das cenas, Zellweger faz todas as caras e bocas que já fez antes nos dois Diário de Bridget Jones, Cold Mountain (Oscar de coadjuvante...), Chicago e Jerry Maguire. É mais uma vez a menina feia que não casou e que se descobre capaz de muitas coisas. Atrapalhada e avoada, sua imaginação é fértil e a faz delirar o tempo todo, só que, no caso desse filme, como foi canalizada para a escritura de livros infantis, deu tão certo que terminou milionária, capaz de comprar hectares e mais hectares de terra para doá-los ao governo britânico no fim da vida – ela era, mais um clichê, uma militante verde avant la lettre.

O filme tem o padrão de qualidade do cinema histórico inglês, gênero de filme que sustenta a indústria britânica há pelo menos duas décadas, quando o americano James Ivory inaugurou um novo ciclo com Retorno a Howards End e outras velharias filmadas com requinte e elegância. Desde então o cinemão britânico encontrou um poderoso nicho de mercado e o explora a exaustão: entra ano, sai ano, são vários os filmes ingleses passados de preferência na época vitoriana, com alguns nobres fornicando com uns com os outros e com a criadagem, além de muitas feministas em pé de guerra para casar e não serem sobrepujadas pelo marido na seqüência – ou simplesmente trocada por uma amante.

Entre muitas xícaras de chá tem-se uma história de amor daquelas bem derramadas e com um tanto de charme antiquado – homens cavalheiros, carruagens, tratamento por pronomes pessoais, mordomos, empregadas fuxiqueiras e, não podia faltar, pais opressivos, que serão contra o romance do par principal. Depois de muita reviravolta, o casal finalmente se acerta – ano passado o filme em questão foi Orgulho e Preconceito.

O diretor, Chris Noon, o australiano de Babe, o Porquinho Atrapalhado, leva tudo como se fosse um filme infantil, tratando o público como se tivesse a idade mental dos leitores da escritora. As casas são impecáveis, o sol brilha, o trem é pontual, as roupas estão sempre novas e brilhando, os móveis parecem uma loja requintada de antigüidades. Tenta tirar o máximo do pouco oferecido pelo roteiro, como o fato da mãe da personagem, que desaprovava o romance com seu editor, com o argumento de que ele era um homem “do comércio” e, portanto, “trazia poeira com ele”.

É pouco, artificial e nem um pouco convincente, nem mesmo como escapismo. Cruza do “filme de mulherzinha” (chick flick) com o histórico inglês, o humor ralo e as interpretações em ponto morto neutralizam a história interessante sendo contada (baseada no livro Beatrix Potter: A Life in Nature, de Linda Lear) com zelo excessivo nos detalhes, na música ininterrupta, na fotografia pesada (como sói acontecer). Tem um bom momento quando as figuras que desenhava tão bem ganham vida (como botânica, teve seus retratos recusados pela sociedade científica da época apenas porque era mulher).

No entanto, Miss Potter é um filme produzido com capricho pela TriStar Pictures. Além do elenco de famosos, que incluem Emily Watson (que deveria interpretar a Miss Potter, não uma coadjuvante) e Barbara Flynn (como a mãe, rouba o filme), traz nomes conhecidos do teatro para a parte técnica, o que garante parte da diversão – quando o filme derrapa, o melhor a fazer é prestar atenção na perfumaria.

O compositor e roteirista é Richard Maltby Jr., vencedor do Tony de melhor compositor duas vezes, uma delas pelo musical Fosse, além de ser o responsável pelos sucessos Miss Saigon e Don Black, esse em parceria com Andrew Lloyd Webber. O diretor de fotografia é Andrew Dunn, que fez Gosford Park, As Bruxas de Salém, As Loucuras do Rei George, A Bela do Palco, Senhora Henderson Apresenta e Topsy Turvy – O Espetáculo. É um especialista em recintos fechados e iluminação diáfana. O figurinista Anthony Powell (três indicações ao Oscar) desenhou as roupas de Malvina Cruela de Vil em 101 e 102 Dálmatas, além de Hook – A Volta do Capitão Gancho, toda a séria Indiana Jones e um punhado de musicais da Broadway – Tony por The School for Scandal.

Chris Noon defende que Renée é uma atriz espontânea e que não há nenhum exagero em sua interpretação. Respondeu ao ser perguntado pela crítica internacional, que arruinou o filme – as bilheterias também foram um desastre, o primeiro grande fiasco na carreira de Zelwegger. Afinal, quem nunca se enjoa de escutar a mesma história são as crianças. Os adultos, infelizmente, não têm a mesma paciência – pelo menos uma parte deles.

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