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Críticas

Cineplayers

Chick flicks ao estilo Judd Apatow.

5,0

Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, 2011) se insere no novo padrão das comédias do cinema norte-americano, em que a graça vem embalada na forma de piadas grosseiras, muitos palavrões, referências sexuais, escatologia e humilhação (a que os americanos costumam chamar de raunchy comedies). Todo esse repertório rasteiro e que trabalha no limite do mau gosto, no entanto, está sempre a serviço de um tema maior, normalmente de cunho edificante, que enriquece o material humorístico e faz com que o produto final transcenda as próprias limitações do gênero.

Há um consenso de que o diretor e roteirista Judd Apatow é o líder desta nova onda da comédia americana. Afinal de contas, ele é homem por trás de O Virgem de 40 Anos (The 40 Year Old Virgin, 2005), Ligeiramente Grávidos (Knocked Up, 2006), e Tá Rindo de Quê? (Funny People, 2009), os quais, especialmente os dois primeiros, representam uma espécie de marco inicial deste movimento (se é que podemos chamar assim). A porta aberta por Apatow permitiu o surgimento de outros profissionais com o mesmo proposta criativa e que parecem querer levar o bastão avante. Nomes como Gregg Mottola, Ruben Fleischer e Seth Rogen são os responsáveis outras obras recentes do gênero, que saem do lugar comum. Estamos falando de Superbad - É Hoje (Superbad, 2007), Zumbilândia (Zombieland, 2009), Segurando as Pontas (Pineapple Express, 2008) e Eu Te Amo, Cara (I Love You, Man, 2009). Não é difícil perceber que junto com o riso fácil, estas obras trazem questionamentos interessantes sobre a perda da inocência, a entrada no mundo adulto, a solidão, a amizade, o matrimonio, a paternidade e a proximidade da morte, temas estes que não costumam ser vistos nem debatidos no gênero humorístico.

A esse grupo se agrega Missão Madrinha de Casamento, no qual Apatow figura como produtor-executivo, enquanto que Paul Feig, egresso de seriados televisivos, assume a direção. O lado positivo dessa inclusão é que, diferentemente do que se via anteriormente, Missão Madrinha de Casamento é uma rara e válida experiência de se transportar o estilo grosseiro das comédias para o universo feminino. O lado negativo é que, infelizmente, o filme não consegue atingir o mesmo nível de qualidade dos outros filmes aqui citados.

A narrativa começa nos apresentando Annie (Kristen Wiig, vinda dos episódios do Saturday Night Live e, cá entre nós, um pouco velha para o papel). Ela está na casa de seu parceiro sexual das horas vagas, o bonitão Ted (John Hamm, em participação estranhamente não creditada). Eles transam de todas as formas possíveis e ao longo de toda a madrugada. De manhã, ela tem o cuidado de se levantar bem cedo, maquiar-se e voltar para a cama em seguida. Ela quer que seu companheiro tenha uma visão agradável quando acordar e olhar para o lado. De fato, Ted desperta e elogia sua beleza. Mas, no fundo, o que o surpreende é o fato de ela ter quebrado as regras implícitas do jogo e passado a noite com ele. Naquele exato instante, seu principal desejo é mandar Annie embora dali, da forma mais educada possível.

Além de uma vida sexual inconstante, Annie ainda se ressente do fracasso comercial da sua confeitaria, por cuja sede é obrigada a passar todos os dias quando vai para o trabalho. Sem poder se dedicar à sua paixão, ela ganha a vida atrás do balcão de uma joalheria. No entanto, os contínuos e inconsequentes atritos com os clientes revelam sua falta de comprometimento com o atual emprego. Sem grana para alçar voos maiores, Annie divide o aluguel de um apartamento com os estranhos Gil e Brynn (Matt Lucas e Rebel Wilson), que teimam em entrar no seu quarto e espionar seus pertences pessoais. Annie também tem uma relação conturbada com a mãe (Jill Clayburgh, em seu último filme), que ministra palestras para alcoólatras anônimos e tem o hábito de criticar a filha sem qualquer motivo aparente.

A única pessoa com quem Annie parece se sentir bem é Lillian (Maya Rudolph), sua amiga de infância e confidente de todas das horas. O ponto de virada vem quando Lillian revela que vai casar e que Annie, desde já, está escolhida como dama de honra do evento. Os sentimento de Annie são ambíguos. Ao mesmo tempo feliz pela amiga e honrada pelo convite, ela sente uma ponta de inveja. No seu íntimo, Annie sabe que o tempo está passando e que ela, perdida em transas ocasionais e relacionamentos sem futuro, está ficando para trás. Como se desgraça pouca fosse bobagem, nos preparativos para a festa de casamento, Annie ainda terá que enfrentar a concorrência da bela Helen (Rose Byrne), a esposa do chefe do noivo de Lillian, uma perua no corpo de uma patricinha, e que está ansiosa para poder ajudar. Nesse meio tempo, ela ainda conhecerá Nahthan (Chris O´Dowd) um policial de bom coração e que a fará reavaliar sua postura diante do sexo masculino.

Um dos principais problemas com Missão Madrinha de Casamento está no seu tempo de projeção: 125 minutos. São raras as comédias que ultrapassam a marca de duas horas que conseguem sustentar a qualidade do humor por tanto tempo. Aquelas que tentam, normalmente perdem em fluência narrativa e o timing das piadas. Ao que parece, isso é uma característica comum aos filmes de Apatow, todos eles mais longos que o recomendado. Aqui o fenômeno se repete. Sua excessiva duração tem um preço alto: muito dos esquetes cômicos se estendem mais do que o necessário e perdem muito da força que teriam se exploradas com mais economia. É possível perceber isso em três momentos do filme: na festa de noivado, quando Annie e Helen competem pelo uso do microfone; na cena do avião, que se estende mais do que a piada consegue segurar; e na sequência em que Annie transgride as mais variadas regras do trânsito para chamar a atenção do policial Nathan. Muito provavelmente todas as cenas funcionavam no papel, mas faltou o bom senso de saber que, na tela, a história é outra.

Além da excessiva duração, Missão Madrinha de Casamento tem problemas no desenvolvimento dos personagens. E esse defeito deve ser creditado na conta das roteiristas Wiig e Annie Mumolo. Em primeiro lugar, faltou explorar com mais vagar a amizade entre Annie e Lillian. Não apenas porque ambas se conhecem desde crianças, mas porque o principal ponto de tensão do filme é o risco que a relação entre as duas passa a correr com a chegada de uma terceira. O roteiro dedica apenas uma única sequência entre as duas, logo no início da narrativa, em que elas, de fato, revelam bastante afinidade. Mas, ao menos para mim, foi insuficiente para que eu acreditasse nas condutas para lá de inconseqüentes que Annie passa a adotar quando vê que Rose representa uma ameaça à sua relação com Megan.

O roteiro falha também ao não desenvolver adequadamente o restante do grupo de madrinhas. Além de Annie e Helen, integram o escrete Rita (Wendi McLendon Covey), a esposa que vê na despedida de solteira de Lillian uma chance de tirar umas férias do marido e dos filhos adolescentes (“minha casa tem sêmen espalhado por todos os lados!”), Becca (Ellie Kemper), o extremo oposto de Rita, e que vê no casamento e na maternidade o sonho da sua vida, e Megan (Melissa McCarthy), a gordinha que trabalha no serviço secreto americano e, ainda que de um jeito no mínimo estranho, não tem vergonha de mostrar seu interesse pelo sexo oposto. Com exceção de Megan, cujo passado é um pouco mais revelado ao longo da trama, as outras duas, mais tipos do que personagens reais, são esquecidas por completo no último terço da narrativa.

Além disso, o roteiro faz questão de negar a camaradagem do grupo de madrinhas que, com exceção da sequência do restaurante brasileiro e da prova do vestido de noiva, raramente são vistas juntas. Em termos práticos, faltou aqui tomar emprestado uma das maiores virtudes da série Sex and the City, tão criticada por tantos. A franquia podia ter vários defeitos, mas em uma coisa ela era bem sucedida: nós acreditávamos na amizade entre aquelas quatro mulheres. Em Missão Madrinha de Casamento, esse elemento está ausente, o que contribui para não nos identificarmos e muito menos torcermos pelo destino daquelas personagens.

Mas todos esses pecados seriam perdoados se Missão Madrinha de Casamento revelasse uma maior qualidade nas piadas. Mas nem isso acontece. Vamos reconhecer: o filme é bem menos gozado do que prometia os talentos envolvidos. Sim, há momentos aqui e ali que a coisa dá certo e a risada surge fácil (como a cena da prova do vestido de noiva). Mas na maior parte do tempo, seja pela falta de timing (culpa da montagem que não soube valorizar o momento), seja porque o texto ou a gague visual simplesmente nâo tem mesmo graça, o humor não aparece. Sequências como a do jogo de tênis, a da saída da protagonista por cima de um portão elétrico, a da paquera de Megan no avião, e a do casamento no final, simplesmente não funcionam. E a cereja do bolo, no sentido negativo da expressão, veio nos créditos finais, com uma estranha cena de amor – literalmente – selvagem.

No frigir dos ovos, Missão Madrinha de Casamento serve como diversão passageira, se tanto. Ao contrário dos outros filmes da turma de Apatow, inexiste aqui o tema maior, que o liberte das limitações do gênero da comédia. Sem grandes camadas de interpretação, a obra aposta todas as suas fichas no humor rasgado e rasteiro. Como a maioria das piadas não funciona, o resultado só podia ser negativo. A enorme receptividade com que a crítica americana acolheu o filme só nos deixa uma lição de que nem todo hype que reluz é ouro.

Comentários (7)

Júnior Souza | terça-feira, 27 de Setembro de 2011 - 15:21

É bem bom. Gostei mais do que de Se Beber, Não Case.

Anderson de Souza | terça-feira, 27 de Setembro de 2011 - 19:17

[2] no Bruno 😏😏
Quando li que foi escrita pela Régis, já adivinhei que viria um 5.0 😏

Marcus Almeida | terça-feira, 08 de Novembro de 2011 - 00:47

Quanta bondade, Régis!

Adriano Augusto dos Santos | domingo, 22 de Julho de 2012 - 10:16

Alguns dialogos do filme são muito significativos.
O alerta da amiga gorda,do policial Rhodes são verdadeiros.Não são simplesmente linhas,aquilo ali é uma verdade,e que muitas pessoas passam,não enxergar seus defeitos.

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