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Críticas

Cineplayers

Organizando o caos.

3,5
A Moça do Calendário parte do roteiro original escrito por Rogério Sganzerla em 1987. Esta é uma informação fundamental para a noção de como se estabelece a compreensão do filme dirigido por Helena Ignez, e de que a realidade toma caminhos monstruosos. Não é só um filme de lampejos e referências a dos mais importantes cineastas brasileiros: A Moça do Calendário se coloca à sombra de Sganzerla como a maneira possível de ler o Brasil de hoje.

É um filme que luta contra a fruição narrativa, está em função de performances e releituras de um país que já pulou do abismo, agora de em encontro ao chão. Ignez segue o mesmo modelo dos filmes do final dos anos 60 para mostrar sua indignação. Parte da histeria, da clareza e até mesmo de ingenuidade partidária para o raio-x do Brasil pós-Dilma. Mas falta-lhe o principal que carregava Bressane, Sganzerla e Cia: o belicismo que cada palavra carregava. Ao filme de Ignez, sobra a artificialidade, um incômodo constante e a sensação de gratuidade.

Com o modelo já estabelecido com poucos minutos de filme, o que se julga como experimentação logo vira redundância; a rotina de trabalho de um homem fadado à falência financeira e moral – provavelmente o melhor núcleo do filme – não passará ileso por Sem Essa, Aranha (1970). O sonho de encontrar a tal moça do calendário representa a impossibilidade geral de se concretizar qualquer desejo em território nacional; pelas ruas de São Paulo há espaço para poucos, ainda que os corpos estejam em constante movimento. É a vaga noção de existir e não viver. 

Para Ignez nunca houve espaço para o lamento e sim para a postura que se conhece há muito tempo, ainda que repetida, que terá seu espaço enquanto o Brasil for o mesmo. O que se espera para isso é que seu filme tenha ao menos veemência para não ser um picadeiro visual ante a expressão. A impressão é que o recuo para o salto ao abismo é nulo ou insignificante neste processo, o que vale aqui é a simplicidade de composição de situações (imagens) para que o verbo domine toda a ação. E nesta composição, o caos é abolido para que uma versão farsesca de panfletagem domine todos os caminhos de A Moça do Calendário

Portanto, se ao processo cabe organizar o que é de quem (Sganzerla/Ignez) sem que passado e presente se separem, à constatação nada sobra. Ela é tomada junto ao modelo, nos primeiros minutos, como pavimento para toda indignação unicamente frontal de Ignez. Como um mergulho na obviedade em clima de nostalgia, as palavras de A Moça do Calendário são adormecidas (boa parte delas, ao menos) e as imagens, já desgastadas, não amplificam esta força.

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