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Críticas

Cineplayers

O peso do medo.

6,5
Um dos medos mais instintivos e primitivos do homem é o medo do desconhecido, que pode se mutacionar em muitas formas, conceitos, ideias, tamanhos e cores dependendo de cada fase da vida. Se quando criança esse medo costuma se manifestar na figura imaginária de algum tipo de bruxa ou monstro, quando adulto seus contornos parecem mais abstratos ou amorfos, porém aumentam exponencialmente de dimensão e gravidade. Os filmes de terror concretizam todas essas manifestações de medo e muitas vezes servem como meio de expurgá-los, tal qual Os Estranhos (The Strangers, 2008), de Bryan Bertino, que contou a história de um casal em crise que passa a noite lutando para sobreviver ao ataque de um trio de mascarados que, aparentemente sem nenhum motivo, querem matá-lo. O medo provocado por aquele mal sem propósito, sem razão, somado ao fato de que James (Scott Speedman) e Kristen (Liv Tyler) ainda têm muito que acertar entre si antes de dizerem adeus, fez de Os Estranhos um trabalho muito assustador e também triste sobre a concretização dolorosa e horrenda de um terrível pesadelo.   
Agora retomando um pouco dessa estrutura, Bertino volta a tratar de uma relação em crise interrompida por um mal maior que obriga os personagens a superarem qualquer dificuldade pessoal em prol da sobrevivência. The Monster (idem, 2016) troca a instabilidade entre o casal apaixonado pela desestrutura na relação familiar entre uma mãe e sua filha. Kathy (Zoe Kazan) é alcoólatra, fumante, divorciada e emocionalmente desequilibrada para poder tomar conta de sua filha pequena, Lizzy (Ella Balentine). Após perder a guarda da criança e ser obrigada a deixá-la com o pai, Kathy entra numa crise de consciência. Mas durante a viagem de despedida das duas, numa noite chuvosa em uma estrada abandonada, o carro bate e quebra após o surgimento inesperado de um animal na pista, deixando as duas isoladas à mercê de um aparente monstro que habita a floresta da região. 

Com uma pegada um tanto “shyamalesca”, Bertino se vale de um cenário tradicional para um filme de terror – o carro quebrado à noite na estrada abandonada – e o preenche com um drama familiar que se reflete na alegoria de uma presença mítica ou sobrenatural. Até chegar a esse ponto, o diretor usa de muitos flashbacks para estabelecer o conflito entre as duas personagens e constrói magistralmente uma atmosfera de suspense crescente, até chegar ao finalmente com o carro quebrando na rodovia. Muito virtuoso, Bertino sabe como enquadrar cada cena de modo a sugerir uma ameaça constante, ainda que em boa parte do tempo invisível. Também reutiliza o recurso da trilha sonora de rádios, vitrolas e brinquedos que de alguma forma dialoga com a situação, através letras sugestivas que parecem prever o mal que está por vir. 

No entanto, após uma largada tão promissora, o filme inexplicavelmente empaca justo na hora em que deveria decolar. A aparição do monstro que rodeia a floresta é anticlimática, e logo antes de sua metade o filme começa a indicar sinais de cansaço, não conseguindo se sustentar muito tempo no próprio argumento e a partir de certo ponto passa apenas a se arrastar até o final. A questão levantada por Bertino é muito clara: não se trata apenas de sobreviver àquele monstro repentino, mas sim de salvar a relação fragilizada de uma mãe e uma filha, que está à beira do colapso. Contudo, a simbiose entre o drama delas e o terror da presença do monstro logo se dissipa e o filme se fragmenta em muitas tentativas de ser vários filmes e acabar não sendo nenhum. 

A figura do monstro tem um peso diferente para Kathy e para Lizzy, o que acaba sendo o ponto mais interessante de todo o filme. Refletido nele, sob a ótica materna, está a perspectiva de morrer antes de poder consertar os erros e garantir o perdão de sua filha, enquanto Lizzy o vê como a concretização do fato de que está perdendo para sempre a mãe que tanto amou e odiou ao mesmo tempo. Apenas uma delas é capacitada para enfrentar o monstro porque apenas uma delas tem a chance de superar a crise na relação, e logo o filme estreita esses laços e perspectivas até que descubramos qual delas conseguirá. O medo do desconhecido sempre nos alcança, sejamos adultos ou crianças, mas independentemente de nossa idade, nem sempre estamos preparados para lidar com ele. 

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