7,0
Desde 2000 o cinema sul-coreano vem se destacando em festivais pelo mundo e garantindo atenção do público brasileiro, devido as recorrentes estreias em circuitos comerciais e alguns cineastas que se popularizaram. Este O Motorista de Táxi, dirigido pelo até então desconhecido Hun Jang e escolhido para representar a Coréia do Sul no Oscar 2018, é daqueles filmes capazes de agradar qualquer público, inclusive aqueles que torcem o nariz para o cinema oriental. É quase como um A Vida é Bela, mas sem a grande ternura amaneirada e conta com a mesma disposição e intenção de se apropriar de um evento catastrófico para contar uma história afetuosa de obstinação – no caso, baseada numa história verídica, contando ainda com um vídeo em documento trazendo o personagem real.
O filme se passa na Coréia do Sul durante a década de 80. A leia marcial está em voga e a oprimida resistência nas ruas luta pela democracia e é abafada pelo poder autoritário do exército do ditador Chun Doo-hwan. Com as universidade fechadas, os protestos são organizados em becos e o povo sai às ruas ecoando gritos de liberdade, enfrentando armas de fogo e a brutalidade rígida dos soldados. Hun Jangnão economiza nos planos que mais parecem denuncias, sempre ao lado dos manifestantes, orientando o ponto de vista do espectador. Corpos ficam espalhados pela violência (cerca de 600 pessoas foram vitimadas) e o mundo recebe a notícia de que uma ou duas pessoas morreram em algum conflito isolado, em atos rebeldes contra o governo.
Kim, um taxista de Seul que leva uma vida apegada a filha e a um carro velho que passa mais tempo em manutenção, descobre uma oportunidade de ganhar algum dinheiro ao ouvir durante uma conversa um assunto a respeito de um europeu endinheirado, interessado em ir até a pequena cidade de Gwangju. Nas redondezas da capital, alguns murmuram sobre um grande conflito naquele local. Kim ignora, pois está muito interessado no dinheiro e revela-se indiferente aos conflitos dos manifestantes contra o exército. É algo que acredita estar longe dele e de sua filha, e por isso considera que não lhe diz respeito.Ao experimentar a realidade, no entanto, se transforma.
Os olhos do taxistase abrem para uma situação de violência diária, escondida pelo poder. A câmera engloba as cenas quase que num sentido documental, registrando a ação covarde do governo diante as centenas de manifestantes que clamam por democracia. A narrativa é atraída pelo caráter da percepção pessoal de seu protagonista que ao vislumbrar os acontecimentos, transforma-se a medida que vivencia o caótico cenário de guerra. Em certo instante, reflete sobre como poderia assistir a tudo isso e não fazer alguma coisa. O roteiro contextualiza bem o período, colocando situações rotineiras dentro de um táxi, um local de conversa arbitrária, para salientar as decisões de seus personagens.
Centrado no taxista, o filme não apresenta uma simplória jornada do herói, mas utiliza seu personagem para construir assimilações sobre a situação de guerra e tudo que envolve o poder, suscitando aos incautos alguma esperança de que o governo em seu regime militar seja a solução para o crescimento do país. Não são poucos os personagens que discursam sobre sonhos, acrescentando ainda as relações com amigos e familiares, e sobre o futuro que seus filhos teriam ali. Nesse ponto, a relação do taxista com o passageiro, um repórter alemão, traduz os diferentes pontos de vista, com quem está no meio e quem observa de fora.
Motivado pelo interesse financeiro e ignorante as intenções daquele estranho empunhando uma câmera, Kim passa por uma série de conflitos, tendo seu caráter constantemente posto à prova, o que subitamente torna-o passível de desconfiança. Seu personagem é multidimensional, e assim contribui para o desenvolvimento dramático dessa história de brutalidade que ainda encontra tempo para ser engraçada e por muitas vezes emocionante, abusando de planos em câmera lenta e uma trilha sonora enternecida.
Visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
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