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Críticas

Cineplayers

Um dos primeiros trabalhos do mestre Godard, uma poesia sobre a alma feminina.

9,5

Não é difícil elogiar Godard e seus filmes de início de carreira, despontando a Nouvelle Vague em plena aurora dos anos 60, e Uma Mulher é Uma Mulher jamais, e de maneira alguma, ficaria excluída da fileira das obras mais geniais da história do cinema.

O que uma obsessão por uma mulher não faz com um poeta? Logo, o que uma Anna Karina não faz com um cineasta como Godard? Senão o inspirando como uma MUSA (e esposa, na época) o resultado se dá numa brilhante obra-prima que é ofertada para nós, ávidos e assíduos espectadores, sendo presenteados com uma rica e inovadora experiência fílmica sobre a mulher e suas idiossincrasias no relacionamento a dois, ou melhor, a três, explícito no filme.

Como toda obra que se quer artística, bem representa sua época conforme um espelho sócio-cultural contemporâneo do artista. E aqui Godard transfere e traduz às telas o comportamento da mulher da década de 60 e seu liberalismo social e sexual após a década da repressão dos anos 50 e o estopim filosófico existencialista do pós-guerra (Godard leu Jean-Paul Sartre), que serviram como inspirações para a sociedade e à arte predominante e principal do século 20: o cinema. Contextualizando-a na Nouvelle Vague, movimento de renovação cinematográfica, em que Jean-Luc Godard, junto a François Truffaut e demais cineastas, egressos da crítica de cinema, se tornou um dos maiores pensadores e criadores da sétima arte européia.

Criando uma inovadora obra de comédia musical com uma estrutura narrativa inédita em construção fragmentária, influência eisensteniana, para a condução da fábula anti-ilusionista e auto-reflexiva peculiar à estética godardiana. As principais características desta estética, encontrada em seus filmes, são: a descontinuidade, jump-cuts na imagem e no som, adoção da câmera-stylo – ou câmera caneta, que discursa coerentemente ao conteúdo, com liberdade anárquica e objetiva fazendo frente ao progresso do cinema e sua linguagem -, justaposição dialética entre ficção e documentário e inserções de cenas descritivas (antinarrativas) que se excluem do imbricamento da narrativa convencional, afirmando assim um discurso extranarrativo sobre a mulher. Godard faz aqui um filme que é um ensaio, retórica, arte e entretenimento, indubitavelmente um dos grandes trunfos do cineasta.

Uma Mulher é Uma Mulher é um dos poucos filmes que servem como uma aula sobre a estética e linguagem do cinema em memoráveis seqüências, como a cena entre Anna Karina e Jean-Paul Belmondo, quando ambos “citam” momentos coreográficos de musicais famosos de Hollywood, que são apresentados de maneira descontínua no espaço e no tempo diegético, fazendo jump-cuts de cena à cena, e cada uma delas aparece estaticamente (os atores, não o plano) fazendo menções indeléveis às obras que inspiraram Godard. Também é válido lembrar de uma cena em que Karina e Belmondo estão em um bar e ela se levanta para colocar uma música na jukebox e retorna à mesa dançando, então Belmondo fala do relacionamento, da vida e filosofia; neste momento, alterna-se planos de Karina e Belmondo, enquanto na trilha sonora corre o diálogo. Karina passa a se ver distante de Belmondo, daí Godard passa a fazer cortes descontínuos no som, ora a música, ora a fala do rapaz nos planos em close do rosto da protagonista, representando sua instabilidade e indecisão entre dois homens.

Mais uma vez o irreverente e brilhante Godard inova no cinema em uma das suas primeiras películas, compondo nesta, uma poesia sobre o comportamento da mulher que é, como todas as outras, apenas uma mulher.

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