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Críticas

Cineplayers

À beira de um ataque de indecisão.

4,5
Comédia nacional é um gênero que, aliado a características populares, costuma representar Globo Filmes, que junto à marca atrela expectativas negativas a qualquer produto. Se o público acaba recebendo esses produtos de maneira maciça e indo cegamente em sua direção, a crítica especializada aponta em caminho contrário e a desarmonia está formada. Mas embora haja de fato uma linha de produção que promova grupos de longas sem quaisquer elemento positivos, com extensas referências televisivas que vão de elencos a textura de imagens típicas das telenovelas (com perdão às mesmas), vez por outra exceções dão as caras. Nos últimos anos Tô Ryca!, Loucas pra Casar e Minha Mãe é uma Peça fizeram a diferença no meio da geleia amarga, sem inventar a pólvora, só divertindo, com atores adequados e roteiros que, se não eram a quinta maravilha, ao menos forneciam algo além da repetição ou babar em cima de humoristas e/ou fórmulas.

Chegamos então até o humor de Maitena, que há algum tempo tem fãs por aqui. Essa escritora e cartunista argentina já faz sucesso por aqui, e Mulheres Alteradas antes apareceu nos palcos, com Mel Lisboa, Adriane Galisteu e Tânia Alves no elenco. O humor textual da autora combina tanto com o visual e o físico que a próxima encarnação do mesmo deveria ser mesmo o cinema. E taí a surpresa: o diretor Luis Pinheiro acerta exatamente no mais difícil, em transpor a linguagem dos quadrinhos para a telona, suas gags e seus maneirismos, a tônica primal da escritora. Egresso da série Lili, a Ex (de onde trouxe a ótima Maria Casadevall), Pinheiro imprime ritmo e uma graça insuspeita com seu quarteto de protagonistas à beira de um ataque de nervos. E o que hoje é politicamente correto ou não no tratamento com o feminino? Esse é um dos dilemas do longa, que no fim das contas é dirigido e adaptado por homens.

Keka, Marinati, Leandra e Sônia são mulheres completamente diferentes, com problemas completamente diferentes e aspirações idem. A primeira vive um casamento morno com Dudu e está a ponto de jogar a toalha para a rotina. A segunda é uma workaholic que fez um pacto particular de não se apaixonar por ninguém. A terceira é uma baladeira profissional que se ressente da família que ainda não conseguiu criar. E a quarta é uma realizada mãe e dona de casa que começa a sentir uma ligeira acomodação. As quatro têm ligações pessoais que vão se revelando ao longo da projeção e estão em estágios distintos de desespero para dar o 'passo seguinte', em cada seara de seus incômodos. O lado bom é que nem todos os problemas têm metas românticas como alvo, o lado ruim é que nada é tão bem desenhado quanto Maitena concebeu.

Tecnicamente é um filme com certo rigor, com uma direção de arte muito interessante que também aproxima o filme de sua matéria-prima original, com estilização e um excesso de cor bem vindo ao universo, sem parecer cafona. Como já citado, o filme tem ritmo e montagem bacana, que também contribuem para o quadro geral, diferenciando o produto da massa uniforme das comédias pop nacionais. E pra completar o pacote, até efeitos visuais eficientes o filme tem, se colocando num caso raro e à parte de acertos dentro do audiovisual local. Onde estão os problemas de Mulheres Alteradas então? Digamos que estão na sempre complexa falta de coesão entre a naturalidade e o exagero, entre o possível e o improvável dentro de um produto que é arriscado, pelas suas inúmeras fontes e públicos pretendidos.

Isso fica muito claro quando observamos o elenco, que não consegue em muitos momentos acertar o passo em todas as inflexões. Deborah Secco talvez seja a maior prejudicada, mas definitivamente a culpa não é dela; Mônica Iozzi convence fora do seu lugar comum, garantindo uma performance cheia de camadas; a já citada Casadevall está em casa, talvez pela proximidade anterior com Pinheiro; mas o grande momento é mesmo de Alessandra Negrini, uma atriz que se arrisca muito sempre, na beira do precipício por natureza, e que aqui casa com perfeição um histrionismo natural com a proposta procurada pelo projeto. As outras três vez por outra sofrem com essa falta de sincronia natural do projeto, que tenta ser cartoon e real, as vezes ao mesmo tempo. É um problema de verdade, mas que não esconde a vontade de ir além da estreia em longas de Pinheiro.

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