Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Horror contra o sistema.

8,5

Os anos setenta foram responsáveis por dar sequência à urbanização do horror. A tendência cada vez maior fazia os filmes da época serem encenados de maneira mais visceral e realista e menos sobrenatural e abandonavam os campos para entrar nas cidades; e desta forma, os temas também passavam por uma revisão.

 

Realizada em 1974, a produção ítalo-espanhola Zumbi 3 foi uma das obras mais bem sucedidas em sua época em consolidar a tendência lançada por George A. Romero em A Noite dos Mortos Vivos (Night of The Living Dead, 1968), o arrebatador filme que consolidara o cinema splatter e criado toda uma cartilha do que viria a ser chamado “filme de zumbi”. A influência de Romero pode ser claramente sentida na obra do espanhol Jorge Grau, que felizmente, por ainda estar em um período de exploração e expansão do gênero, acaba por ser mais uma visão própria do que uma reprodução, apesar do que a distribuição possa fazer parecer – existem cerca de quinze títulos em inglês para o filme (além de dois em português) – o que, provavelmente, dificulta bastante a identificação dessa pequena pérola.

 

O filme de Grau se aproveita não apenas dos monsros antropofágicos e da violência gráfica, mas também de um elemento usado por George frequentemente não citado entre os muito motivos responsáveis por alavancar o sucesso de A Noite dos Mortos Vivos: está presente igualmente a mise-en-scène doentia e cinzenta que, no início do filme, é responsável por criar uma atmosfera sombria da cidade de Manchester. A montagem da sequência inicial, exibindo poluição do ar, máscaras e sujeira nas ruas, já traça um acordo com o espectador: a sociedade tradicional e conservadora criou um mundo doente e sem vida, onde seus habitantes reagem com apatia à decadência que os cerca – aspecto esse homenageado pelo inglês Edgar Wright ao fazer seu Todo Mundo Quase Morto (Shaun of The Dead, 2004).

 

Como legítimo filho da contracultura, Zumbi 3 elege um herói improvável para tentar combater a praga vindoura: esse é George, um típico jovem adulto daqueles anos, de visual rocker e antenado com as bandeiras ideológicas da sua época, que terá de enfrentar uma praga zumbi causada por um pesticida experimetal que contêm radiação, que se em um primeiro momento fazia os insetos enlouquecerem e lutarem entre si, acaba fazendo os mortos se levantarem e espalhando um vírus canibal. Seus esforços de avisar e tentar destruir a fonte são frustrados por um sargento, interpretado pelo então veterano Arthur Kennedy – um homem conservador que insiste em pensar que os jovens George, Edna e sua irmã viciada Katie são responsáveis pelo assassinato do marido desta última.

 

Mesmo com seu tema pró-ecológico, Zumbi 3 evita fazer panfletagem e concentra seus esforços na criação de uma atmosfera pessimista onde a classe média preconceituosa e apática elege representantes da lei brutais e utraconservadores, não escondendo certo carinho pelos protagonistas desajustados que já começam com o jogo perdido desde o início. Apesar da admissão dos excessos que os baby boomers (a geração nascida no pós-guerra) acabaram experimentando, eles são antes retratados como frágeis jovens tentando rebelar-se contra um mundo brutal e mais velho, que recusa-se a ouvi-los – e suas falhas de caráter só expõem suas fragilidades de não saber seu lugar ao certo ou o que enfrentar.

 

O clima de “nós contra eles” é agravado a cada minuto: Grau não economiza e solta a mão na violência para criar um clima de ameaça física constante, com a cinematografia suja típica dos exploitations casando-se com a linguagem incisiva do diretor, que capta com seus enquadramentos o ar irrespirável sugerido no início: o interior da Inglaterra parece um lugar gigantesco, deserto e ameaçador; os zumbis são brutais contra tudo que está vivo, uma literal representação da morte, que mesmo quando destroçados continuam sedentos por destruição. A ameaça vem de todos os cantos e de forma truculenta, onde neblina, sombras e fogo ameaçam seus protagonistas; combinados com o grafismo generoso, essa obra não apresenta nenhum resquício do horror psicodélico de seus conterrâneos e identifica-se mais com o aspecto de pesadelo dolorosamente real norte-americano da época, de diretores como Tobe Hooper e Wes Craven; lento para os padrões de hoje, o filme investe menos na adrenalina e mais na construção de seu clima perturbador e singular – Grau é hábil em tecer um clima de tensão estendida quase insuportável.

 

Antecipando uma abordagem que o próprio Romero utilizaria mais tarde em Dia dos Mortos (Day of The Dead, 1985), a do zumbi como um indivíduo revoltado contra o senhor dominante, Zumbi 3 tem a marca indignada do período onde foi feito, retratando a sociedade convencional como um lugar incapaz tanto de ajudar os necessitados quanto de perceber uma crescente ameaça. Seus personagens são foras-da-lei por vocação, em uma obra onde o maior antagonista, como sempre, é o homem vivo, brutal, homicida e fanático, tomado por preconceitos e convicções – e esses marginais, de certa forma, acabam sendo libertados pelas criaturas antropófagas das obrigações sociais de instituições incapazes de servir, proteger, amparar ou prevenir, apenas de ordenar, intimidar e anestesiar. Os zumbis de Grau são vingadores excluídos que agora resolvem tomar seu lugar; destróem a ordem fria e doente e deixam apenas o caos, com o mesmo pessimismo estampado do filme original de Romero, onde a violência reacionára sempre faz o mundo se auto-consumir.

 

Esse clima de abandono, de revolta contra o establishment, de coquetel molotov em forma de película tornaram o trabalho mais reconhecido de Grau um cult por excelência e um clássico das sessões drive-in, onde era exibido em sessão dupla com Aniversário Macabro (Last House on The Left, 1972) de Wes Craven, outro filme símbolo da misantropia do cinema sensacionalista dos anos setenta; esquecido até o novo século, quando foi relançado no mercado doméstico americano, o filme ainda perdura como, se não uma das crias mais famosas do filão, certamente como um dos seus representantes mais bem-acabados de como se fazia filmes de gênero à época, quando horror era encarado não como uma muleta industrial feita na medida para os multiplexes, mas sim como um grito polêmico, apelativo e revoltado contra o establishment.

Comentários (6)

Thiago Cunha | sexta-feira, 01 de Fevereiro de 2013 - 02:31

Você encontra a legenda no Legendas.tv, Italo. 😉

Victor Ramos | sexta-feira, 01 de Fevereiro de 2013 - 12:29

Hum, que bom. Surpresa uma crítica para este daqui.

Realmente um filme muito bom, clássico cult dos tempos de vhs. Precisa ser redescoberto.

Victor Ramos | sexta-feira, 01 de Fevereiro de 2013 - 20:19

A minha nota está aí há um tempão.

Faça login para comentar.