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Críticas

Cineplayers

Feminismo ultrapassado.

4,0

O feminismo já ganhou bons representantes no cinema, que defenderam com classe a idéia da força da mulher, independente de sua época. Tomates Verdes Fritos (Fried Green Tomatoes, 1991), por exemplo, foi corajoso em retratar a vida de uma dona de casa que se espelha na história de duas mulheres da década de 1920, que reuniram forças para enfrentar o machismo opressor. Em A Cor Púrpura (The Color Purple, 1985) temos Whoopi Goldberg, Oprah Winfrey e Margaret Avery na pele de personagens que lutaram para defender seu sexo durante os anos de segregação racial americana. No musical Uma Mulher é Uma Mulher (Une femme est une femme, 1961) Anna Karina usa a força vanguardista da nouvelle vague para expressar a liberdade sexual das mulheres modernas. Como se pode notar, muitas atrizes já usaram sua beleza e poder para servir de inspiração liberatória para suas companheiras.

Mas, com o filme O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada, 2006), baseado em um famoso best-seller, esse conceito de mulher moderna tomou outros rumos no cinema. Agora a mulher independente precisa ser bem sucedida profissionalmente antes de tudo, e ainda ter tempo para cuidar de marido e filhos. Embora bem intencionada e realista, essa imagem acabou sendo desvirtuada e mal interpretada em outros filmes com mesma temática, resultando assim em obras fracas que na verdade desqualificam a força feminina. É exatamente isso que acontece com Sarah Jessica Parker em Não Sei Como Ela Consegue (I Don’t Know How She Does It, 2011), novo filme do diretor Douglas McGrath. Embora a atriz tenha ganhado o status de mulher-modelo com o sucesso do seriado Sex and the City, aqui o que temos é um conjunto de idéias equivocadas sobre o papel da mulher dentro da sociedade atual.

Na trama, Sarah interpreta Kate Reddy, uma executiva de sucesso que trabalha como louca e ainda cuida de dois filhos e marido, sempre em cima de um salto alto e esbanjando beleza e confiança. Daí vem a escolha o título, afinal, até em uma ficção parece improvável que uma mulher consiga se desdobrar em tantos papéis com tanta disposição todos os dias do mês. Depois de passar quase que toda sua duração mostrando apenas essa rotina enfadonha para nós espectadores, o filme parte em seus momentos finais para um tipo de drama que não se encaixa de maneira alguma na história e só enfraquece o que já estava fragilizado.

O erro aqui está na escolha de estereótipos e padronizações que já não chamam mais a atenção do espectador nem estimulam a mulher moderna a refletir. O tempo todo parece que Kate está fazendo tudo aquilo para agradar os outros – seu chefe, seu marido – e nunca a si mesma. Os momentos em que sai com as amigas, que deveriam ser para seu descanso, expõem a personagem como sendo fútil e superficial. Inclusive suas amigas são coadjuvantes padronizadas para filmes do gênero, sempre mais preocupadas com a vida da protagonista, como se não tivessem vida própria. No fim, surge uma mensagem involuntária de que a satisfação da mulher em estar no mesmo nível dos homens na sociedade é vazia e infantil.

Os recursos narrativos adotados pelo diretor também não colaboram. Narração em off, depoimentos de personagens e trilha sonora moderninha dão a impressão de que se trata da continuação dos temas abordados em Sex and the City – O Filme (Sex and The City, 2008), um trabalho que, em outras palavras, apresenta a idéia de que mulheres dependem de sexo casual, sapatos Manolo Blahnik e bolsas Louis Vuitton para serem genuinamente felizes. O que poderia ser uma discussão interessante sobre a mulher moderna dividida entre o mercado de trabalho, casamento e a maternidade, e em como sua força poderia permitir equilibrar tudo isso, se transforma em uma minimização de sua importância na sociedade atual.

A imagem de Sarah Jessica Parker, se um dia já serviu de incentivo à força da mente feminina, acaba de vez por aqui. Mulheres merecem ser tratadas no cinema com muito mais dignidade e realismo, como acontece nos exemplos citados no primeiro parágrafo. Claro que nem todo o filme sobre a força feminina precisa ser dramático, definitivo ou pesado – apenas deve saber encaixar em sua fórmula uma boa dose de realismo com doçura, valorizando os atributos que todas as mulheres podem oferecer. Se essa foi a intenção de Douglas McGrath, infelizmente ficou apenas no papel. A execução é falha e o feminismo foi por água abaixo.

Comentários (2)

Fabio Luis Martins Rafo | sábado, 26 de Novembro de 2011 - 19:49

Um bom exemplo de "força da mulher" é Inverno da Alma, no caso uma adolescente tendo que cuidar de sua familia.

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