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Críticas

Cineplayers

Sustos de menos.

4,5

O grande trunfo de Não Tenha Medo do Escuro (Don´t be Afraid of te Dark, 2010) não está diante das câmeras – afinal seu elenco está longe daquele que faz com o que o público vá ao cinema de olhos fechados – nem no seu diretor – o nome de Troy Nixey, advindo do mundo dos quadrinhos e estreando no longa-metragem, é desconhecido para a grande maioria –, mas sim na figura do seu produtor: Guillermo del Toro. Mesmo sendo o homem por trás dos cults Cronos (idem, 1993) e A Espinha do Diabo (El Espinazo del Diablo, 2001), foi somente após a penca de prêmios que O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno, 2006) ganhou pelo mundo afora, que seu nome passou a ser reconhecido pela indústria de Hollywood como o cara responsável por um tipo de filme que transitava entre o terror, o suspense, a fábula, o realismo mágico e o conto de fadas. Mais importante que tudo isso, ele passou a ser associado a um tipo de produção que, mesmo com essa salada mista de gêneros, caia no gosto da plateia e dava retorno nas bilheterias.

Em Não Tenha Medo do Escuro, refilmagem de um obscuro telefilme da década de 1970, e que ganhou status de cult ao longo dos anos, Del Toro assume não apenas a função de produtor mas também de roteirista (em parceria com Matthew Robbins, com que escrevera Mutação [Mimic, 1997]), de dublador de uma das criaturas malévolas que atacam os humanos, e, discretamente, até de ator, em uma participação rápida, como um dos passageiros que se sentam na poltrona de trás do avião em que viaja a protagonista, logo no início do filme. Com tanto poder sobre a fita e para quem, como ele, se declarara um admirador confesso do material original, é surpreendente como esta refilmagem resultou insossa, anódina, impessoal, e inofensiva.

O filme começa com um prólogo ambientado por volta do final dos anos 1800. Numa mansão ao estilo vitoriano, uma arrumadeira limpa as estantes da biblioteca. Um sino toca. Seu patrão a chama no porão. Ele se chama Emmerson Blackwood, um pintor famoso da época. Mas naquele momento, Blackwood não está pensando nos seus quadros. Ele precisa resgatar seu filho. Alguém ou alguma coisa o levou embora. Alguém que parece se alimentar de uma estranha especiaria: dentes de criança. Na falta de uma, Blackwood já arrancou toda a sua arcada frontal. Sua funcionária, agora imobilizada, terá que ser sacrificada. Antes do ato extremo, ele diz: “desculpe-me, mas eles me obrigaram a fazer isso”.

Corte para o tempo presente. A mansão está sendo reformada pelos arquitetos e namorados Alex (Guy Pearce) e Kim (Katie Holmes). Ambos dão um tempo no trabalho para buscar a filha dele, Sally (Bailee Madison), no aeroporto. Kim aguarda o encontro com ansiedade. Ela quer agradar a garota. Causar uma boa impressão. Ser aceita. Mas a separação dos pais parece ter afetado Sally. Ela é uma menina quieta, introspectiva, sem amigos, e cujo passatempo é desenhar. Na viagem de carro do aeroporto até a mansão, Sally saca umas pílulas da mochila. Kim, ao volante, capta a cena pelo retrovisor. Talvez mais estranho que uma garota tomar remédio de gente grande é a indiferença do pai. Quando indagado se ele percebeu a atitude da filha, Alex coloca a culpa na sua ex-esposa: “ela dava comprimidos até para o cachorro”.

Sozinha na imensidão daquela casa, Sally começa a explorar as redondezas. Num de seus passeios, descobre um porão escondido entre as folhagens. Mesmo contra a vontade do Sr. Harris (Jack Thompson), o caseiro local, ela chama a atenção do fato para o pai. Na condição de arquiteto e interessado na coisa, o pai vai atrás da descoberta da filha e verifica que a mansão possui toda uma ala subterrânea. Ao investigar essa parte da casa junto com o pai, Sally ouve estranhas vozes vindo de uma pequena passagem de ar. Sally não consegue distinguir de onde elas vêm nem a quem pertencem, mas seja lá o que for, as tais vozes a chamam pelo nome. Mais tarde, intrigada com o evento e meio que sem nada melhor para fazer, Sally volta ao porão e resolve abrir a pequena porta de ferro que fechava o local. Sem saber, Sally liberou as mesmas criaturas que, 200 anos antes, provocaram a morte do dono daquela mansão.

Num primeiro momento, elas surgem no quarto de Sally de forma sorrateira, sem dar as caras, anunciando que querem ser amigos da garota. Como é justamente isso o que Sally quer – fazer novas amizades – ela facilita e força o contato. Pede que eles apareçam à sua frente. Quer vê-los. Tocá-los. Logo saberemos que as criaturas são avessas às luzes, seja de um abajur ou de uma lanterna. Mas eventos estranhos começam a ocorrer. Os vestidos de Kim aparecem rasgados. O Sr. Harris é brutalmente atacado no porão. Sally não demorará para perceber que aqueles seres nada têm de angelicais.

A casa mal assombrada é uma das figuras mais recorrentes do gênero terror. Não Tenha Medo do Escuro trabalha dentro deste clichê.  Neste aspecto, a narrativa contem os elementos típicos desta espécie de subgênero. Uma mansão afastada do centro urbano, construída ao estilo antigo, repleta de quartos e corredores não ocupados, porões e sótãos ameaçadores, longas cortinas, e um certo tom lúgubre no ar. Para completar, serviçais que mais parecem querer amedrontar os moradores do que simplesmente ajudar. Ou seja, tudo está ali, pronto para nos assustar e nos deixar tensos na cadeira do cinema pelo espaço de duas horas. No entanto, por alguma estranha razão, a mágica não funciona e, em vez de alguns sustos, o que o filme nos rende são algumas risadas involuntárias.

Talvez o principal problema de Não Tenha Medo do Escuro seja a composição das criaturas. Não era difícil perceber que o êxito da fita dependia quase que inteiramente do quão ameaçadoras elas deveriam parecer para a plateia. Se elas fossem capazes de arrancar gritos do público, o sucesso estaria garantido. Os espectadores permaneceriam presos à narrativa, mesmo durante os seus “momentos mortos”, e, em função do potencial de perigo por elas representado, torceriam pelo destino dos personagens. Do contrário, a chance de perder a audiência logo no início seria grande. Infelizmente aconteceu a segunda opção.

Pelo aspecto físico, as criaturas lembram miniaturas mais ágeis do Gollum, da série O Senhor dos Anéis. Seus guinchos lembram os Gremlins, aqueles bichinhos do filme de mesmo nome, sucesso dos anos 1980. No geral, elas parecem uma bizarra combinação de ratos com morcegos (a aversão deles à luz reforça essa impressão). Apesar de atacarem em bando e de serem inteligentes o suficiente para carregarem navalhas e tesouras, o filme mostra que eles não são tão difíceis de matar assim. A própria Sally, do alto dos seus 10 anos, aniquila vários deles com algumas pauladas. O ponto fraco deles em relação à luz (até mesmo ao flash de uma Polaroid), então, os torna ainda mais frágeis.

Os efeitos especiais também não colaboram muito. No geral, eles aparecem em planos separados dos humanos, mas quando isso não ocorre, os CGI apenas acentuam a desproporção e a inversão de valores entre a vítima e os carrascos. Outro problemas está no modo como eles pronunciam seus diálogos. Certamente a opção por uma fala mais arrastada não foi das mais felizes. Quando escutamos: “Saaaallllyyyy, o nooommme dellllla éééé Salllly.... quuuerrremmmosss serrr amiiiiiggoosss....”, mais que medo, a vontade que temos é de rir.

Esse lado quase infantil das criaturas, na prática, faz com que Não Tenha Medo do Escuro não funcione nem como filme de terror – já que lhe falta o elemento básico do perigo, do potencial da ameaça – nem como um conto de fadas macabro – como muitos críticos americanos tentaram observar. Em outras palavras, o filme não alcança nem a violência e os sustos de Cronos, muito menos a mágica e o encanto de O Labirinto de Fauno, trabalhos anteriores de Del Toro que atuam na mesma chave.

Um aspecto que poderia ser melhor explorado pelo roteiro está na solidão da garota. Afinal, essa foi uma das alterações mais drásticas em relação ao material original. No telefilme de 1973, a personagem de Sally não existe e as criaturas concentram sua ameaça em Kim. A opção de voltar essa violência contra uma menina, que traz nos olhos e no amargo sorriso a marca da separação dos pais, seria um campo pra lá de interessante a ser desenvolvido. No início, a narrativa abre um ótimo viés ao indicar que as criaturas representem um preenchimento do vazio da vida de Sally. Mas o roteiro logo descarta esse flanco de possibilidades, ao fazer com que a garota logo perceba o perigo que a ronda.

Além de não explorar um filão rico em potencial, o roteiro desperdiça tempo em criar expectativas que, no final das contas, não resultam em nada. Um delas é o diálogo entre Kim e Sally diante de um lago [cena que, voluntariamente ou não, remete a O Iluminado (The Shining, 1980)], que não tem qualquer utilidade. A ideia de se usar a Polaroid para assustar as criaturas – nem vou perguntar aqui o porquê da escolha de uma máquina tão antiga, que nem filme deve ter mais para ser vendido, quando uma digital atenderia muito melhor o objetivo – não é aproveitada, já que ninguém olha para as fotos reveladas. A um certo momento, uma das criaturas é imprensada pela estante da biblioteca e tem seu braço decepado. Os personagens estranhamente a esquecem grudada no local e nada surge daí.  Em um outro instante, Sally abandona a casa e sai andando, de mochila nas costas, pela estrada afora. Para onde ela vai, sabe-se Deus. Alex a segue e, sem muito esforço, a convence a entrar no carro. Para quem estava tão decidida a partir, easy rider, sem dar satisfação para os pais, ela muda de opinião muito rapidamente.

Não Tenha Medo do Escuro estoura também todas as cotas de personagens que agem de forma estúpida, inconsequente ou simplesmente burra. O principal deles é sem dúvida o pai. Sem qualquer habilidade no trato com a filha, vê sua autoridade de pai colocada várias vezes colocado em xeque por Sally. Mas até aí tudo bem. Essas atitudes serviriam para demonstrar a fraqueza da sua personalidade e coisa e tal. O problema está na sua reação quando os estranhos eventos começam a acontecer pela casa. Por mais que sua filha possa ter sido afetada pela separação dos pais e, por isso, queira testá-lo diante da nova namorada, ele já deveria ter dado a ela uma atenção maior em relação às suas suspeitas sobre o perigo existente na casa. Além de não dar bola para as preocupações da filha, o pai é incoerente nas suas atitudes para com ela. Se no início do filme, ele criticou a mãe da garota por permitir que ela carregasse remédios dentro da mochila, mais à frente, ele aceita tranquilamente a prescrição de mais um calmante dada por um psicólogo de confiança. Pior que isso, é ele ver seu caseiro ser completamente mutilado e esquartejado, e, mesmo assim, aceitar passivamente a polícia chamar o episódio de “acidente”. Se liga, né!

Do elenco, o destaque vai para Bailee Madison. Ela já tinha visitado o realismo fantástico em Ponte Para Terabítia (Bridge to Terabithia, 2007), mas aqui o faz de uma forma adulta, coerente com o tom geral mais dark do filme. Guy Pearce parece meio avoado no papel de Alex. Pode-se dizer que essa construção está relacionada com as características do seu personagem, dividido entre as obrigações profissionais de reforma da casa e o retorno repentino das responsabilidades de pai. O mais provável, no entanto, é que Pearce se sinta mais à vontade em tipos mais atormentados (Amnésia [Memento, 2000]) ou tresloucados (Priscilla, a Rainha do Deserto [The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert, 1994]). Katie Holmes, como Kim, luta contra a imagem de eterna menininha e de atual Sra. Tom Cruise. Dentro das limitações do personagem, mal desenvolvido até o osso, ela ao menos tenta fazer o possível. Se não rola nenhuma química dela com Pearce, me parece que, aqui, a culpa é mais do roteiro, que pouco explica a história daquele casal, do que dos atores.

No fim das contas Não Tenha Medo do Escuro não cumpre as expectativas que sempre existem em torno de uma nova produção de Del Toro. A revisitação do tema da casa mal assombrada era um bom ponto de partida, assim como a possibilidade de se explorar e intensificar o suspense do telefilme original com o avanço da tecnologia dos últimos anos. Mas a execução preguiçosa e pouco inspirada, o excesso de furos do roteiro, e, pior, a absoluta ausência dos elementos básicos de um filme de terror – ameaça, perigo, medo, sustos, tensão – fazem desta refilmagem um tremenda bola fora.

Comentários (12)

Rodrigo Barbosa | terça-feira, 18 de Outubro de 2011 - 02:47

SIm. O filme é ruim. Mas um produçãozinha chula sem nenhuma intenção além da de entreter o telespectador, o que nem isso acaba conseguindo direito, na tentativa de nem "chocar" muito (reduzindo a classificação indicativa) e nem perder a "tônica" de um filme horror/fantasia, Del Toro e seu parceiro de roteiro se rendem à meia dúzia de clichês que, se o filme até possuía um bom argumento, acabam com qualquer intenção de agradar a um público mais crítico. Não me atrevo a colocar em minha filmografia do Del Toro. Muito pequeno em comparação à "labirinto do fauno, "o orfanato" e tantos outros do diretor.

Lucas Correia de Souza Portela | sexta-feira, 28 de Outubro de 2011 - 12:24

Só porque tem Del Toro na produção não signica que saia algo bom, Transformers foi produzido por Spielberg [2]

Assisti a este NÃO TENHA MEDO DO ESCURO, e é realmente bem fraquinho. Mas conta com aspectos técnicos bem executados e um clímax legal.

Renato Coelho | quarta-feira, 14 de Dezembro de 2011 - 15:52

Só leio textos enxutos e objetivos. Vou assistir o filme, mesmo prestando atenção na nota dada.

Guilherme Santos | quinta-feira, 04 de Julho de 2013 - 09:22

boa critica, mesmo descordando da maioria dela, é uma critica boa, pro filme dei noto 7,0

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