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Críticas

Cineplayers

Inferno cheio.

4,0
Tradicionalmente os festivais no mundo inteiro contam com produtos locais em sua competição, uma espécie de orgulho local. Se em Cannes os franceses batem ponto, em Veneza sempre tem italiano e em Berlim nunca falta um alemão, porque seria diferente no nosso país? No Festival do Rio sempre tem um filme carioca, assim como em Gramado sempre tem um gaúcho, e em Brasília pode procurar: o filme local estará na mostra competitiva nacional. Esse é o caso de New Life S. A. esse ano, a estreia de André Carvalheira em longa. Com mais de 20 anos de experiência, entre curtas e direção de fotografia, André parece bem seguro do que faz, de suas ideias e de um padrão que aplica, onde uma certa anarquia político-narrativo da lavra de Sérgio Bianchi parece inspira-lo.

Como nos filmes do diretor de Cronicamente Inviável, Carvalheira pretende fazer uma análise política do momento atual, colocar em embate classes antagônicas, utilizar chaves de sarcasmo e ironia para levar a violência de seus ataques ao âmbito verbal, construir uma encenação que caminhe entre a farsa e a esquete sem perder a "humanidade", ou seja, são referências que muito mais une ele a Bianchi sem denunciar isso como necessariamente um demérito. Com uma argamassa tão bem delineada, o diretor transparece um lugar de frescor na cinematografia nacional que na verdade são códigos já testados e muitas vezes aprovados. O lugar revisitado pelo autor é mesmo de importância fundamental no atual momento, e Carvalheira se arrisca ao se colocar no fogo cruzado em uma produção repleta de metáforas e piadas com o Brasil de agora. A funcionalidade do todo é uma questão que vai variar de plateia a plateia. 

O filme tensiona um mosaico onde quatro narrativas correm em paralelo: um político demagogo grava seu programa de campanha; um jovem e já consagrado arquiteto inspeciona um projeto que enfrenta problemas; um grupo de operários de uma obra está sem receber, provocando um pequeno motim; uma família de propaganda vive literalmente num modelo de apartamento a venda. Essas situações são desenvolvidas em diferentes níveis de profundidade, perdendo assim o interesse gradativo por cada uma delas, já que o eco que aparentemente se proporia acaba se dispersando. Ainda assim algumas cenas provocam discussão (o pai de família fake querendo agir como se tudo fosse real; o universo absolutamente depressivo da família de verdade), o que não quer dizer que as mesmas não sejam repletas de clichês inclusive nas mensagens que ele pretende passar, que dirá no desenrolar das mesmas.

Na ânsia de provocar a plateia e motivar uma mudança real de postura de uma sociedade adoecida, Carvalheira não se deu conta da obviedade do projeto, ainda que bem intencionado, bem produzido e imbuído de um certo charme fetichista estético com suas escolhas. A belíssima direção de arte de Maíra Carvalho talvez seja o ponto alto, vestindo perfeitamente aquelas imagens em universos tão distintos, tanto a obra quanto a casa do arquiteto foram aquisições de extremo bom gosto para a proposta visual do filme. O trabalho de som também é positivo e acima da média, e do numeroso elenco ninguém se destaca mais que Renan Rovida, em momento de torpor generalizado, até resolver sair da bolha em explosão desastrada de seu personagem Augusto. De resto o trabalho de Carvalheira é o de um profissional que claramente tentou um lugar objetivo para desenvolver sua obra, mas cujas boas ações não foram capazes de suplantar sua ingenuidade em propagar/denunciar estereótipos e apenas ter sua obra virada contra si, ao fim e ao cabo.

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