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Críticas

Cineplayers

A Noite Americana mostra que o processo de criação de cinema pode ser tão ou mais interessante que o resultado final.

8,5

Existem muitas provas de amor ao cinema feitas pelo próprio cinema. Da romântica homenagem feita por Woody Allen em A Rosa Púrpura do Cairo ao sensível Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore, o próprio cinema se vê alvo de objeto de afeição, mas nenhuma declaração se compara à feita por François Truffaut em A Noite Americana.

Trespassando o clichê do filme dentro do filme de forma, Truffaut faz tudo o que tem direito: experimenta na montagem, abusa do som, brinca com enquadramentos, satiriza o star power e participa da própria brincadeira, atuando. O personagem? Um diretor de cinema, claro. Um diretor sábio, serene e apaixonado pelo que faz, como o próprio Truffaut foi.

Na produção de “Je Vous Presente Pamela”, o tal filme dentro do filme, somos apresentados a uma infinidade de situações que afetam a realização de um filme: romances, traições, crises de estrelismo, alcoolismo, gravidez e até uma morte, interferindo diariamente no cotidiano de cada um dos envolvidos e no próprio cronograma de filmagem.  A Noite Americana acaba por representar, então, um tipo determinado de produção atrelado àquele papo de que o diretor é o autor. Uma forma consagrada de fazer cinema que Truffaut foi um dos maiores expoentes; uma forma de fazer cinema padrão na França e na própria Europa; bem diferente da forma americana de produção – basta comparar com O Jogador, do Robert Altman, que trata do mesmo tema.

Pode-se taxar A Noite Americana como didático, mas jamais desprovido de uma paixão intrínseca. Truffaut aproveita-se até para homenagear seu ídolo e mentor, Orson Welles, utilizando-se do sonho de Ferran, o tal diretor (ou seria o próprio Truffaut?) roubando cartazes de Cidadão Kane das portas dos cinemas. Algo que ele confessadamente fez quando jovem. Toda essa reunião de experiências, que age diretamente sobre a percepção de quem está assistindo ao filme, denuncia uma vontade inesgotável de aproximar cinema e a vida. Nem que seja uma vida camuflada, como o filtro usado em lentes das câmeras para transformar noite em dia e que dá nome ao filme. Não há maior metalinguagem que essa. 

E A Noite Americana mostra que o processo de criação pode ser tão ou mais interessante que o resultado final. É isso que o filme revela para seu público.

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