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Críticas

Cineplayers

Reflexos da melancolia

7,5

Há dois anos atrás eu tinha meu primeiro contato com Jang Woojin, exatamente aqui no Olhar de Cinema e exatamente na sessão Outros Olhares, através de um exercício de delicadeza chamado Outono, Outono. Se no longa anterior o cineasta parecia inspirado nas imagens de Jia Zhang-Ke, dessa vez Jang mira sua inspiração para o conterrâneo Hong Sang-soo - reverbera de maneira intensa a forma como olha para as relações humanas, como entrelaça duas histórias em uma, e em como joga narrativamente os conceitos de acaso, coincidência e reflexos invertidos, quase em consonância com o cinema de gênero, bem ao feitio do cineasta por trás de uma coleção de filmaços, como Certo Agora, Errado Antes. O que o mantém pessoal na abordagem desse universo é como seus personagens interagem com o espaço que os circunda, e em como o ambiente representa um impulso a mais no desenrolar das situações.

O jovem cineasta apresenta outros predicados para tornar-se particular, como não incorrer na leveza com o qual Sangsoo encara as camadas de acontecimentos filmada. Quase do lado oposto, Woojin trabalha seus personagens no registro da melancolia em um quadro geral, sem necessariamente parecer negativo mas com um certo ceticismo de parte a parte entre o quarteto que particularmente interage nessa produção. Esses dados já ficam claros desde a abertura desencadeada pela perda de um celular, que aos poucos revela seu caráter. Um casal maduro acaba esbarrando com um outro (serão também um casal?) e suas relações são expostas ao espectador, enquanto as duas mulheres aos poucos vão apresentando uma simbiose dentro de suas narrativas particulares, até o reflexo entre elas se tornar um ponto chave do roteiro.

Em um registro intimista, o filme explora com sutileza o enigma que o casal jovem pode representar ao filme, abrindo algumas frentes de entendimento para que a reflexão se permita ainda mais rica. O cenário onde 95% da ação se passa é uma pousada em uma noite gelada que não é um espaço inexplorado pelos protagonistas, que apontam já ter estado ali anteriormente, provavelmente na juventude onde se conheceram. As chaves de entendimento começam a aparecer gradativamente, no comentário sobre o cenário conhecido, na jovem mulher que exerce fascínio em ambos, na série de coincidências que as une, o filme incorre em um jogo sempre fascinante mas cuja encenação frequente tira um pouco do brilho pretendido. O talento do grupo de atores, sua naturalidade diante dos caminhos do roteiro e na troca em si, munidos de diálogos cuidadosos, garante a qualidade do todo, ainda que lhe falte frescor.

O filme ainda circula por um viés político que só se confirma quando nos é revelado sobre as atividades do casal quando se conheceram, na faculdade. A partir daí, todo o conceito por trás do esquecimento e da dispersão emocional pelo qual passam homens e mulheres em processo de desgaste matrimonial se amplifica, quando percebemos do processo semelhante que passam países em todo mundo, em pleno descontrole físico no limite da desesperança, se agarrando a um passado próspero que reside atualmente nas lembranças. O filme observa ainda uma espécie de passagem do bastão, quando interliga uma visão do desamor a uma história que ainda nem começou, que pode assistir a deterioração alheia e entender os caminhos a não seguir. Esses códigos que permitem a produção ir além da metáfora principal e esperada elevam o material e discorrem sobre outros aspectos menos óbvios dentro da seara de possibilidades apresentada.

Com uma visão endurecida em relação ao futuro dos relacionamentos e às práticas que determinam a longevidade dos mesmos, Uma Noite de Inverno tem uma disposição diferente do filme anterior do diretor, aqui assolado pela noite que escurece o ambiente e as relações. Em um dueto de pontos críticos do roteiro, as personagens femininas se veem de frente para um perigo factual, e apesar de agir com o mesmo desespero, elas respondem a esse perigo de maneiras distintas, o que só corrobora as bases físicas e emocionais em lugares separados, com ênfases contrastantes em processos de diferentes naturezas, o fim e o princípio, com mais que "um punhado" de noites entre uma coisa e outra. 

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