Saltar para o conteúdo

Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre

(Never Rarely Sometimes Always, 2020)
8,0
Média
73 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

A potência do Cinema Independente

9,5

Assista Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre no Telecine

Nesse ano trágico, muito se falou sobre a possibilidade real do cinema mainstream ocupar o lugar do cinema indie, caso os lançamentos continuem privilegiando o streaming em detrimento das salas de exibição. Uma lástima, visto que, para além dos rótulos hierarquizantes que segregam essas duas formas de produção, o cinema indie tem entregue sutilezas elegantes e belíssimos rompantes justamente por se apegar a nichos que o permitem até ousar em experimentação e crítica social. Esse é o caso do recente trabalho da roteirista e diretora americana Eliza Hittman, Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (2020), já premiado no Festival de Sundance e na Berlinale.

Na história, a adolescente Autumn descobre que está grávida e tem que se deslocar do interior do Estado da Pensilvânia para a cidade de Nova York, com a ajuda de sua prima Skyler, em busca de assistência médica para interromper a gestação. Uma trama bem simples se pensarmos que se trata de uma jovem americana, país onde o aborto é legalizado. Mas Hittman nos conta outra história, sufocante, sobre o desamparo, a vulnerabilidade social das mulheres, largadas em uma sociedade arraigada por machismo estrutural e pela cultura do estupro.

Em seu terceiro longa-metragem, a criadora parece estar à vontade com temas espinhosos. No último longa, Beach Rats (2017), ela cria um dilema contemporâneo sobre sexualidade na forma de um rapaz de 19 anos dividido entre os amigos e seus rituais de masculinidade, a família e suas primeiras descobertas amorosas. O filme lhe deu o prêmio de melhor diretora no Festival Sundance de Cinema no mesmo ano.

Em Nunca, Raramente, Às vezes, Sempre, Hittman opta por focar nas pequenas coisas: é um filme sobre detalhes e procedimentos, pragmático e cirúrgico. Autumn não reflete sobre sua escolha. Sufocada pela sua própria vida, que inclui bullying na escola, trabalho exaustivo e uma figura paterna autoritária e hostil, ela busca pela clínica de planejamento familiar mais próxima. Sua jornada inclui pegar um ônibus, fazer o procedimento e voltar o mais rápido possível. Emaranhada em uma trama burocrática e com pouco dinheiro, Autumn e Skyler transitam insones pela cidade, sonambulando entre estações de metrô, banheiro públicos e plataformas de embarque. O mundo ao redor das meninas é ao mesmo tempo ordinário e monstruoso. O filme consegue criar dentro de uma atmosfera familiar as ameaças constantes na vida de jovens mulheres, como o assédio sexual no ambiente de trabalho, no transporte público ou mesmo sob a forma de “ajuda”.

A fotografia gélida de Hélène Louvart, laureada em 2018 no Independent Spirit Awards como melhor cinematografia por Beach Rats, materializa o clima da cidade, criando contornos sobre pedaços de malhas urbanas decadentes ou em restauração, com o acréscimo de longas esperas em salas de recepção, todas sempre iguais. Sidney Flanigan (Autumn) e Talia Ryder (Skyler) entregam interpretações que dão conta do desnorteamento e vulnerabilidade que a obra exigem. Enquanto personagens, criam laços que reforçam sua amizade, talvez uma metáfora de Hittman sobre a sororidade. A única pergunta que Skyler faz a sua prima é se o procedimento é dolorido.

O título do filme, na verdade, é uma representação do único momento de explosão emocional da trama. É respondendo às perguntas da ficha que podemos vislumbrar um pouco da carga da personagem e compreender algumas de suas motivações. A delicadeza da encenação marca a autoria de Hittman e endossa algumas de suas motivações estéticas: o realismo do filme se revela em toda sua crueza, se tornando algo arrebatador.

Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre encarcera em si um pouco do blues indie despretensioso que marcou seu formato de produção. Fala de coisas grandes com uma lente divergente embebida de sensibilidade e representatividade. É o cinema belo sobre mulheres feito por mulheres. Filme citado: Beach Rats (2017), disponível na Netflix.

Comentários (5)

Reginaldo Almeida | segunda-feira, 28 de Dezembro de 2020 - 12:20

Muito bom o filme. com certeza uma homenagem a obra prima romema : "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", até no titulo, fica claro. Fez jus .

Prêmio BRAZINTERMA | segunda-feira, 28 de Dezembro de 2020 - 18:27

Um dos melhores filmes de 2020 e lamentável que foi uma das primeiras obras a ser afetada pela pandemia.
Ficar de olho na talentosa Sidney Flanigan

Alexandre Koball | quinta-feira, 07 de Janeiro de 2021 - 13:01

Filmaço, mas porra, TODO homem retratato nele é nojento/asqueroso/estuprador/etc.?

Herbert Engels | quinta-feira, 07 de Janeiro de 2021 - 13:14

Kkkk. Bom longa de fato.
Já é o terceiro filme que assisto em menos de um ano que apresenta essa visão preconceituosa sobre o sexo masculino. Espero que não vire tendência.

Herbert Engels | quinta-feira, 07 de Janeiro de 2021 - 13:16

* Não sobre nem pro balconista na estação de metrô kkkkk.

Alexandre Koball | quinta-feira, 07 de Janeiro de 2021 - 13:48

- os garotos durante a apresentação no colégio;
- o pai indiferente (abusador?, roteiro só insinua);
- o chefe;
- o cara se masturbando no metrô;
- o amigo delas em NY.

Faça login para comentar.