A atualização de uma caçada violenta sim, mas afrescalhada
A franquia Predador saíra do limbo para agora ser convocada a reaparecer após a obtenção de direitos da Disney após a compra do catálogo da Fox. E por pura desconfiança com o resultado dessa nova empreitada Predador: A Caçada (Prey, 2022) fora lançado diretamente na plataforma de streaming Hulu, e não nos cinemas. Os resultados anteriores não demonstravam confiança seja de público ou crítica que seja, então apostar no seguro era mais interessante. Mas o material acabara por surpreender em sua recepção. Segue uma linha de interesse ao propor uma estória do que traz um predador para ter que lidar com os comanches no século XVIII. E que tipo de conflitos ele vai encontrar.
O acerto mais vistoso numa percepção inicial seria o cuidado com a fotografia. Usa de uma iluminação bonita a se aproveitar da beleza natural de sua ambientação enquanto fornece o local de futuras matanças. É a esperteza de mostrar daquelas paragens enquanto já começa a propor um espaço divertido para o contraditório da beleza com a violência que está ali à espreita. O que acaba por ser interessante, já que o diretor Dan Trachtenberg consegue inserir esta questão de forma orgânica. Montando um discurso de que a brutalidade faz parte sim da natureza, mas que agora ela estaria lidando com um agente externo feroz. Aliás o filme aqui aposta mesmo num certo desenvolver dos personagens para que venhamos a entender suas ações. Menos do predador claro, aqui já se propõe que quem tá assistindo esse negócio já saca de cara qual é do alienígena. E é nessa questão também que mora um dos problemas do projeto. A proposição da protagonista Naru ser uma mulher que lutará contra o predador e terá de subjugá-lo através da sua própria astúcia é ótima. Mas tem a chatice da tal jornada que erra miseravelmente nalguns aspectos, onde esta mesma figura mal consegue caçar uma lebre e simplesmente vira uma expert no combate a uma criatura extraterrestre. Essa é difícil de engolir até para uma verossimilhança interna da fita. Isto ocorre porque o filme teima no chavão da transformação, mas não dá um tempo de maturação necessário para tal. Isto somado a Naru ter alguns chiliques imbecis que mais parecem saídos de filmes juvenis sobre empoderamento fajuto do que outra coisa. É um manejo equivocado de uma boa cria e muito bem interpretada por Amber Midthunder. Me pareceu que a produção aqui estava numa ânsia em propor uma figura feminina forte que batesse de frente com o monstro, mas que por obrigação metodológica ela tivesse de carregar rótulos diversos como por exemplo uma rebeldia com cara de contemporânea via chiliques. O que acaba por deixar trechos risíveis do material. Com esperneios e frescuras.
Comentário feito a respeito desse problema, Amber segura bem as pontas e consegue ainda manter o interesse em sua jornada. Na velha jogada de sempre que alguém está percebendo alguma coisa estranha que os outros não estão sacando. É isso. O filme se utiliza de esquemas conhecidos e repetidos para manter sua trama andando, mas é executado de maneira tão eficiente tanto tecnicamente quando no quesito das interpretações de todo o elenco, que acaba por ser decente demais em sua construção. Mesmo irritante, Naru, tem em sua sagacidade e observação a chave para lidar com uma criatura desconhecida. E é aí que vemos a capacidade de destruição carnal da obra. As investidas do predador. Se o filme falha nalgumas frescuras conceituais, acerta noutras. Como na proposição de que o predador parte na procura de vítimas cada vez mais perigosas. Como quando mostra uma escalada de caça do sujeito – cobra, lobo, urso, humano –, onde são mostradas as caçadas num crescer de perigo. Tal qual um predador galgando passos na cadeia alimentar. E isto alavancado pela ignorância visceral matadora na qual incita o monstro. É uma esperteza da fita. A criatura já conhecemos e sabemos de força destrutiva, mas esgarçar isto internamente na obra faz com que seu teor de ameaça seja ainda mais grosseiro, assim como enaltece a protagonista ao vencê-lo. Inclusive ela é cercada por diversos personagens que conseguem até serem divertidos, principalmente seu irmão Taabe (Dakota Beavers) e os canalhas estrangeiros caçadores. Algo que o filme pincela ao asseverar pela visão de Naru, o pertencimento dos comanches àquele território e seu respeito para tal, se comparado aos invasores que estão ali a explorar o território. A obra vai versando sobre diversos temas, e escolhe se aprofundar em alguns, mas até a forma como cita outras questões, não parece ser forçoso. Mesmo a parte na qual eu consideraria defeituosa, o material visa trabalhar sobre ela. A função da mulher na caça e a questão hierárquica envolvida e no como a possibilidade de uma fêmea agir como caçadora deve ser respeitada. Mesmo que a execução nessa parte seja meio fajuta, o tema está lá. Bem vistoso. E mesmo baleado não deixa de fazer sentido.
Além dos acertos grandes de ambientação e seus pormenores, a ameaça vista no antagonista é ótima. Alia a barbaridade de sua existência com as suas ações extremas de caça que trata as vítimas como gado a ser abatido. E mantém a coerência da franquia em várias características que nem precisam ser citadas a todo instante, só quando se pense que há uma necessidade, afinal Naru está conhecendo aquela espécie pela primeira vez e o filme viu como necessidade a demonstração de seu entendimento sobre como lidar com a besta-fera. Este, que apesar de sua fragorosa burrice em sua luta final – o sujeito corta o próprio braço fora e parece entender menos de seu próprio armamento que a comanche Naru –, consegue ser ameaçador e imponente. A saga talvez tenha demorado bastante para lidar com esta intenção de meter o predador noutras épocas [algo sugerido em O Predador 2 – A Caçada Continua (Predator 2, 1990)], porque é algo que abre para possibilidades espaciais diversas, e oportunização a criação doutras formas de combate e de novos e intrigantes personagens. Mesmo que a irregularidade de suas frescuras com Naru irrite em certa circunstância por algum tesão progressista que seja, não deixa de fornecer um entretenimento brutal de qualidade nada duvidosa.
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