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Críticas

Cineplayers

Revitalização feminina e organizada da trilogia de Soderbergh é divertida e competente, mas peca pela emoção burocrática da execução.

6,0
Considerando o quanto o cinema comercial mudou e se tornou mais ambicioso ao longo dos anos, é impensável que qualquer estúdio ou produtor empreste a mesma proposta que George Clooney fez para o diretor Steven Soderbergh no início dos anos 2000 ao comprar o roteiro da refilmagem de Onze Homens e um Segredo: reunir um time de estrelas, consolidadas e em ascensão, para estrelar o projeto, e convencê-los a diminuir seus cachês para um valor simbólico, valorizando muito mais o espírito jovial de brincadeira entre amigos do que o objetivo comercial em si. Além do próprio Clooney e o recém oscarizado Soderbergh (por Traffic), reunir outras figuras carimbadas do alto escalão como Julia Roberts, Matt Damon, Brad Pitt e Andy Garcia certamente teria levado o orçamento de qualquer filme até as alturas, mas miseramente orçado em 90 milhões (um valor ínfimo em comparação ao que a inflação nos causa atualmente), a brincadeira deu certo e contagiou o público, o que abriu alas para que aquele pontapé descompromissado se tornasse uma lucrativa trilogia.

E filmes de assalto, é claro, já não são mais nenhuma novidade na arte ilusionista do cinema. O próprio Soderbergh enveredou por esse caminho posteriormente, como no recente Logan Lucky; Spike Lee deu sua própria revitalizada com O Plano Perfeito; Tarantino revolucionou o conceito do “gênero” nos anos 90 com Cães de Aluguel; Christopher Nolan abraçou o lado ilusório no infame A Origem; e por aí vai. Grande parte do mérito da trilogia de Soderbergh, além do entrosamento natural e dinâmico de seu elenco tão cheio de estrelismos, estava na capacidade do diretor em usufruir de todos os maneirismos possíveis dentro da abordagem, tal qual um ilusionista nato é capaz de fazer, rocambolizando o roteiro numa sucessão de reviravoltas e ambiguidade que tornavam aquele entretenimento em uma experiência ainda mais atraente que o usual.

Mas não estamos aqui para falar do trabalho de Soderbergh, é claro, por mais que seja absolutamente inevitável mencioná-lo aqui. Assim como aconteceu no infelizmente malfadado Caça-Fantasmas, a franquia Ocean’s igualmente pedia (ou não) por uma revitalização aos novo olhar que os estúdios estão lançando sobre sucessos do passado, trocando as figuras masculinas por personagens femininas que assumam as mesmas funções que seus companheiros privilegiados. Como qualquer ideia que resolva chacoalhar títulos que seguem com o mesmo amor por parte dos admiradores (ainda me revira o estômago quando me lembro da situação de Caça-Fantasmas), a proposta foi naturalmente condenada de início, mas aí o elenco começou a ser formado: Sandra Bullock, Cate Blanchett, Anne Hathaway, Helena Bonham Carter, Sarah Paulson… convenhamos, como não dar um voto de confiança para tantas atrizes já tão bem solidificadas na indústria e comprovadamente talentosas?

Bullock é quem assume a linha de frente da vez interpretando Debbie Ocean, irmã de Danny Ocean, que após cinco anos, alguns meses e poucos dias, sai da prisão já com um plano arquitetado para roubar um colar avaliado em 150 milhões, contando com a ajuda de sua amiga Lou (Blanchett) e um time de outras seis mulheres, cada qual com sua função específica para o plano dar certo. Notadamente, não há qualquer grande mudança na trama em relação ao que Soderbergh fez no passado, e mesmo o próprio tendo intensificado seu estilo ao longo dos três filmes, sua história era igualmente reaproveitada com pequenas mudanças nos detalhes. Não, esse não é o problema de Oito Mulheres e um Segredo, mas talvez seu principal empecilho esteja em uma palavra que define justamente o que o time de mulheres quer do seu plano: tudo é planejado para dar certo demais.

E digo isto pelo fato de que, apesar da renovação de rostos, Oito Mulheres e um Segredo é um filme que joga absolutamente em terreno seguro. Claro que a troca de um Soderbergh por Gary Ross (do primeiro Jogos Vorazes, o melhor daquela franquia) na direção quebre, inevitavelmente, as expectativas de alguma ousadia, seja na narrativa, seja na concepção visual das ideias, etc. Ross se sai muito feliz, principalmente, ao retomar o clima de malandragem na interação que marcou os filmes de Soderbergh, e que aqui contamina igualmente o time feminino, por mais que haja um certo abuso de estereótipos na caracterização das figuras (Rihanna é a que mais sofre com isso). Muitos dos sorrisos de satisfação que damos ao longo da projeção se devem ao enorme carisma de Bullock, ou ao charme e classe sempre imprescindíveis de Blanchett, ao sempre delicioso histrionismo visual de Bonham Carter, ou a surpresa de vermos Hathaway atuando como uma paródia do tipo de papel que a atriz tão facilmente se acostumou a interpretar. É com um respiro de alívio que atestamos que, de fato, o filme funciona graças às suas oito mulheres do título.

O segredo, infelizmente, é o que não existe no roteiro do próprio Ross ao lado de Olivia Milch. Se a reprodução do estilo de Soderbergh (muito mais próxima do dinamismo das continuações do que da sobriedade do original) funciona ao manter o espírito que solidificou o universo dos filmes (e é apenas nele que acreditaríamos que Bullock conseguiria realizar aqueles golpes na abertura, por exemplo), isto representa um jogo absurdamente limpo para Gary Ross, o típico diretor “faz-tudo” de Hollywood que, sem uma marca própria, carrega grande parte da preparação do plano sem grandes exibicionismos, o que é benéfico, mas que causa frustração quando culmina na execução do mesmo, que transcorre de forma tão linear, sem dificuldades e sem imaginação por parte da direção que o sentimento de frustração é inevitável. A comicidade funciona e é para ela que Ross mantém seu principal timing, mas para um filme cujo ápice é um roubo que levou cinco anos para ser arquitetado, esperava-se mais desenvoltura do roteiro para realmente passar essa sensação de dificuldade.

Isto não significa, é claro, que Oito Mulheres e um Segredo não seja um filme de resultado satisfatório. Ele é. O entretenimento está lá, a ironia dos diálogos é um prato cheio (o diálogo onde Bullock e Blanchett dispensam a participação de homens é sensacional), o elenco deita e rola no que lhes é cabível fazer e nos contagia com a descontração, mas quando nos damos conta, a nova aventura não sai disso. Faltou a determinação, o rigor estético e a imaginação que alguém como Steven Soderbergh realmente teria.

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