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Críticas

Cineplayers

Peter Jackson e seu cinema grandiloquente.

1,0

Desde que pôde contar com orçamentos mais generosos e abandonar o terreno de seus primeiros filmes trash o diretor Peter Jackson busca uma grandiosidade não apenas nos temas que escolhe abordar, mas também na concepção visual a partir dos cenários em que transcorrem suas histórias sobrenaturais e de fantasia, concepção essa cuja megalomania vem crescendo gradativamente. Começa com a realidade paralela cheia de princesas e príncipes vingadores e repleta de figuras de massa digitalmente manipuladas concebidas pela imaginação das adolescentes transtornadas no belo Almas Gêmeas (possivelmente o seu melhor filme), seguindo na Terra-Média da franquia de enorme sucesso popular do espetaculoso O Senhor dos Anéis e depois o mundo perdido habitado por dinossauros e animais gigantes do remake de King Kong. Mas como se todo esse percurso trilhado pelo cineasta já não fosse o bastante, para Peter Jackson o céu deve ser o limite, e eis que o diretor neozelandês resolve abandonar de vez a terra e decide filmar o próprio paraíso.

Peter Jackson precisa dos cenários grandiloquentes como peça decorativa para contar suas histórias, algo que é incapaz de fazer apenas com o trabalho de mise en scéne. E sem o sustentáculo de um universo literário amplo como a saga de J.R. Tolkien de O Senhor dos Anéis, ou o argumento clássico e fascinante de King Kong, a fraqueza (ou completa inexistência) do seu projeto estético cai por terra e revela suas deficiências, como ocorre em Um Olhar do Paraíso. 

O filme faz a descrição e defesa de um lar perfeitinho, idealizado como o de um comercial de TV, cuja harmonia é dissolvida com a invasão de um monstro representado na figura de um novo vizinho de meia-idade que violenta e mata Susie Salmon (Saoirse Ronan), a garotinha de 14 anos que narra a história em primeira pessoa e acompanha do céu a maneira como os familiares, os amigos, o assassino e a polícia seguem suas vidas após o seu desaparecimento. Um Olhar do Paraíso é um filme cuja viga principal e razão de ser imediata é a de causar um choque, e o trabalho de direção se revela via de acesso a uma série de trapaças e artimanhas que mostram absoluta disposição para criar uma atmosfera ao mesmo tempo trágica e encantada, porém despida de simplicidade e crueza, e cheia de rebuscamentos, numa encenação nem um pouco espontânea. O olhar direto, honesto, cortante e sem filtros que se espera de toda tragédia é substituído no filme de Peter Jackson por uma visão e abordagem exageradamente afetadas na fantasia que pretende contar com esse seu romancezinho espírita.

Em dado momento, Um Olhar do Paraíso faz pensar em uma variação do cultuadissimo Ghost - Do Outro Lado da Vida, porém distante da boa dosagem de comédia, drama, romance e perigo que fizeram a fama do antigo sucesso estrelado por Patrick Swayze. Peter Jackson faz questão de realçar cada momento com todo o peso possível da emoção especifica que pretende despertar no espectador, para que o público não deixe de sentir a reação esperada pelo cineasta, num processo realizado com uma sutileza mastodôntica (a maioria das seqüências que envolvem o assassino é de uma torpeza inacreditável). 

No aspecto visual, o desafio de Peter Jackson é o de recriar uma visão do paraíso (incluindo o limbo pelo qual a protagonista tem que passar para no fim alcançar o paraíso propriamente dito), e não se pode deixar de dizer que até nesse aspecto o cineasta fracassa miseravelmente. A sua concepção visual é fake demais, de um artificialismo constrangedor, repleto de campos bucólicos, paisagens naturais, faróis, geleiras e lagos, em um dos quais a figura do namorado da garota surge refletida em grandes proporções. É um catálogo de imagens de grife, e sempre banhadas em um excesso de luz (incluindo as cenas noturnas), o que se expande para o filme inteiro, não apenas nas seqüências do céu. São imagens que constituem um efeito visual profundamente óbvio, que se acomodam em suas idéias estrambóticas, acreditando no bom funcionamento dessas ilustrações, que como um comercial publicitário vende o conceito de uma existência perfeita e feliz (o que cabe também às cenas dentro de casa e com a familia em geral, antes da morte da menina). Como companheira de Susie nessa jornada no paraíso, somente uma outra garota de traços mestiços, e que permanece em cena apenas para que possa perguntar alguma coisa a Susie, ouvir o que ela tem a dizer, ou no máximo complementar alguma sentença. 

Desse modo, Susie Salmon permanece com toda aquela vastidão por onde pode correr e passear, ao mesmo tempo em que continua enxergando o rapaz que gostava e com o qual não conseguiu trocar um beijo em vida, e que agora sofre por ela sem conseguir esquecê-la. Ou observa o seu assassino perseguindo jovens namorados pelo milharal. Ou a familia que não supera a fatalidade, a irmã mais nova que cresce e passa por experiências que a protagonista não pôde viver. Cabe uma nota quanto às interpretações ruins de todo o elenco, incluindo o geralmente talentoso Mark Wahlberg, que certamente em uns dois dias de trabalho deve ter jogado a toalha durante as filmagens e entrado no clima oferecendo o seu pior desempenho ao perceber a roubada em que se envolveu. 

Não é por nada que Almas Gêmeas é o filme central da obra de Jackson, o que ocupa a metade exata de sua filmografia, a transição entre suas obras trashs anteriores e as grandes produções que viriam depois. Foi com esse filme que o diretor encontrou um ponto de equilíbrio raro em sua carreira, enquanto que Um Olhar do Paraíso representa o seu fundo do poço, que é capaz de provocar gargalhadas em cenas que se pretendem mais dramáticas, como na sequência em que o pai corre atrás do assassino no milharal e esbarra com o casal de namorados, levando uma surra do jovem rapaz. A pieguice que infelizmente arruinou o desfecho da sua versão de King Kong contamina também esse seu novo trabalho do começo ao fim, que inclui lições budistas ditas pela boca de uma das coadjuvantes. O cineasta se mostra um oportunista de mão dupla, querendo ganhar causando um choque no espectador e também querendo ganhar ao transformar seu trabalho em um filme edificante e feliz, com uma visão adocicada do mundo. Consegue no máximo oferecer uma lição. Uma lição de como não fazer cinema.

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