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Críticas

Cineplayers

Quando um pouco a mais já é o bastante.

8,5

Às vezes basta um breve olhar mais curioso para uma obra para revelar toda uma nova forma de apreciá-la. Muitas carregam seus temas mais interessantes não em uma profundidade hermética ou de várias camadas de interpretação, mas em uma segunda pele, quase tão evidente quanto características mais imediatas, como valores de produção e roteiro. Foi o caso com Círculo de Fogo, louvado como um excelente filme de ação e nada mais, mas escorado numa bela mensagem de união e crença na humanidade. Embora a menção pareça gratuita, esse tema é a principal semelhança entre a divertidíssima produção de Guillermo del Toro sobre robôs em ação e Operação Big Hero, uma sessão dupla que já tinha tanto em comum na superfície.

Mesmo assim, uma diferença importante é que o longa-metragem da Disney tem subtextos consideravelmente mais elaborados que seu irmão live-action. Indo além do discurso (e da iconografia) humanista para a salvação da espécie visto em Círculo de Fogo, a animação entra em questões bem mais tortuosas relacionadas ao que significa ser humano, e dá início a essa discussão com o robô de assistência médica Baymax, peça central da trama. Ele é inclusive a motivação principal para este texto. O autômato é quase que inteiramente responsável por uma das sessões mais engraçadas de 2014, com doses incessantes de humor físico e verbal. Mesmo que a pura diversão não seja pouco para se elogiar um filme, depois da sessão comecei a me perguntar o que havia de tão hilário nas desventuras do personagem, e as respostas levaram longe.

A parte mais cômica de Baymax começa em sua semelhança com uma pessoa: ele nada mais é que um balão com cabeça, tronco e membros dotado de inteligência artificial. Essa familiaridade limitada faz com que qualquer de suas ações mais robóticas soe naturalmente deslocada, a exemplo do primeiro encontro com Hiro em seu quarto, fonte de risadas o bastante para deixar a barriga doendo. Ao mesmo tempo, seus momentos mais humanos, como a “embriaguez” de quando está sem bateria, se tornam igualmente divertidos por evocarem comportamentos nossos. E é nessa natureza dupla do personagem que reside também os aspectos mais belos do filme.

Desenhado originalmente para atender aos “ais” a seu redor, repleto de mecanismos para restaurar a saúde de qualquer um, Baymax logo percebe que Hiro não tem dores físicas imediatas para tratar, mas se encontra profundamente abalado pela morte de um parente. Sua programação, então, lhe permite agir de acordo com as necessidades emocionais do garoto e obedecer a seus comandos para fazê-lo se sentir mais feliz. Aí, ele adentra o insondável terreno dos sentimentos, e acaba se tornando um reflexo da mente ferida de Hiro. O menino, sentindo-se ameaçado, acredita que um robô mais preparado para a ação será de maior serventia, e instala em um segundo chip movimentos de caratê, além de uma armadura robusta para proteger o “balãozão”. As diretrizes médicas continuam presentes, para maior efeito cômico, e também para enriquecer os temas do longa.

A real extensão do que representa a humanidade é testada quando Hiro se vê dominado pelo ódio e não consegue pensar em nada além de violência e destruição. Os dois chips em Baymax entram em conflito, como duas facetas de uma consciência, e ele se torna um reflexo externo da turbulência interna que tanto turva a visão do garoto. Aquele construto é capaz de afeto e brutalidade, de compreender sofrimentos emocionais e impulsos assassinos. Nesse momento, não só seu discernimento racional se torna muito próximo ao de uma pessoa, como o cérebro do garoto se vê capaz de sobrepujar e anular sua predisposição humanista como se não tivesse, ou não desejasse ter, qualquer escrúpulo. A cena em questão é poderosíssima, e notável pois funciona também como um fato narrativo simples e acessível para qualquer criança na plateia.

Como uma parte considerável das superproduções de Hollywood, Operação Big Hero tem seus tropeços ao abordar assuntos tão densos. A figura do vilão é o ponto mais sensível, especialmente pela cronologia do estúdio: esta é, afinal, a realização seguinte a Frozen: Uma Aventura Congelante, que tomou o mundo de assalto por, entre outras razões, relativizar as noções de maldade, monstros e afins. Aqui, o personagem mau sem dúvida tem motivações para seus atos – ainda que elas sejam apresentadas de forma atabalhoada –, mas isso não o torna menos doentio e insano. Ao mesmo tempo, a revelação de sua identidade e de seus pretextos em nada clarifica se (ou quanto) seu juízo foi prejudicado, dando a impressão de que seu plano era de fato a coisa mais consciente ele que poderia por em prática para compensar seu martírio. Seus traumas são muito semelhantes aos de Hiro, mas com detalhes pontuais que explicam por que um dos personagens deve aceitar sua tragédia, e o outro, não. Resumindo, sua índole vilanesca passa uma impressão muito mais conveniente e calculada do que natural, e, como tanto ocorre, ele surge quase que só como o nêmesis obrigatório do herói.

Pode-se argumentar ainda que o ato heroico final de Hiro é um ímpeto também mecânico, fabricado apenas para estabelecer uma natureza bondosa, mas sua personalidade é bem construída o bastante para justificar esse arroubo de altruísmo. Afinal, em seu cerne, Operação Big Hero desenvolve o arco de um adolescente soterrado por emoções conflitantes e desesperado por soluções para algumas das mais insolúveis angústias da humanidade. Sua resposta, encontrada graças a um ser “inumano”, justifica suas ações dali em diante. Já o filme não sofre com dualismos tão complexos, pois é igualmente capaz de divertir à beça como uma aventura bonita e descompromissada e de oferecer questões mais profundas do que sua superfície.

Comentários (5)

Anderson de Souza | terça-feira, 06 de Janeiro de 2015 - 19:11

Crítica fraca. São mais de 4 parágrafos falando de Baymax e narrando a sinopse. Discordo quando fala do vilão. Ele é patético e esquecível. Talvez não conseguiram dar tanta importância ou fazê-lo soar importante no filme.

Carol L. | sexta-feira, 09 de Janeiro de 2015 - 01:42

Filme bem ruinzinho...é incrível o quão sem criatividade a trama central é, e a morte do irmão é totalmente leviana. Poderia ter se aprofundado mais na relaçao do Hiro com o Baymax, dois ótimos personagens, e menos na historinha de super heróis bobinha.

Carol L. | sexta-feira, 09 de Janeiro de 2015 - 01:45

E concordo com o Anderson, o vilão é patético.

Matheus Bezerra de Lima | domingo, 11 de Janeiro de 2015 - 18:33

Carol, respeito sua opinião, mas discordo. O filme não é excepcional, mas tem personagens carismáticos, uma história emocinante e está muito longe de ser uma experiência ruim. A Disney mostra que aos poucos está conseguindo superar sua crise de identidade. Sem mais.

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