5,0
Em determinado momento de Operação Red Sparrow, a personagem de Charlotte Rampling fala para a protagonista vivida por Jennifer Lawrence: "adeus Dominika". É uma cena de despedida, aparentemente. A cena na verdade carrega outro valor escondido, já que é a partir desse momento que a russa Dominika sai de cena para entrar a soldado Katya, cujo codinome titula o novo longa do 'pau pra toda obra' Francis Lawrence, que já dirigiu de tudo em Hollywood, e que já tinha passado pela estrela número 1 da América no seu auge enquanto blockbuster, na série Jogos Vorazes. Deve ter sido fácil para ele pensar nela para a adaptação do romance de Jason Matthews e dela aceitar o convite de um projeto ambicioso dirigido por um amigo. A cena descrita coloca o filme numa gramática de Cinema que o filme se insere poucas vezes, quando não está tentando ser diversão escapista somente, o lugar onde ele se sente mais confortável.
Encantado com o jogo de possibilidades proposto pela dramaturgia viciada em 'plot twists' que norteiam a narrativa, é fácil de acreditar que Francis, Jennifer e o roteirista Justin Haythe (pé frio habitual do Los Angeles, tudo que tocou deu errado) olharam para aquele universo onde uma bailarina acidentada do Bolshoi se reinventa como agente secreta treinada para seduzir e imaginaram como seria interessante conduzir uma narrativa onde a lealdade da personagem é exatamente um personagem plus, daqueles que passamos o tempo todo procurando até encontrar. Infiltrada numa missão para identificar o informante de um agente americano (Joel Edgerton), Dominika está em cena para embaralhar a cabeça de russos, americanos e espectadores, e esse claramente é o barato do filme, seu mote de diversão e o lugar para onde o filme quer passear na sua intenção de divertir a plateia ávida por novidades. Mas as pretensões do filme são modestas e cenas como a descrita no parágrafo anterior divertem e nos fazem esperar algo além desse espasmo; não virá.
Ao invés de um produto elaborado, a escolha por uma montanha russa de desconfiança e certa tensão é acertada ao termos ciência de que o filme, diferente do recente Atômica, que queria também satirizar uma época, na verdade homenageia toda uma classe de filmes produzidos nos anos 80 e que achávamos seguros e deixados lá. Esses produtos seguiam regras e olhares particulares do período, com um contexto geopolítico ainda na ressaca da guerra fria e refém de um pensamento estadunidense antiquado, que hoje parece até meio perigoso e quase xenófobo. Russos maus x americanos bons? Ainda precisamos desse tipo de questionamento num produto produzido hoje e ambientado hoje? Esse anacronismo até vez por outra nos faz se empolgar com a condução com algum clichê mas ainda assim eficiente e atraente do filme, mas a visão maniqueísta do período não faz mais qualquer sentido, e nem cabe mais se não for para fins jocosos - e mesmo assim, há de se ter talento para conduzir algo assim sem promover celeumas simplesmente ridículas.
Com a embalagem atraente e o clima de suspense bem construído, o elenco é enorme e repleto de astros e estrelas do mundo inteiro, ainda que a maioria seja de origem russa e naquela velho esquema de sotaque puxando os R's para demonstrar algo inexistente. Mas é um belo grupo de atores, todos cujo talento é inquestionável e são capitaneados por uma Jennifer Lawrence segura e disposta no elenco. Os destaques no entanto são um par de veteranos geralmente relegados a personagens idiotizados, e que aqui têm uma fagulha de charme: Jeremy Irons e a já citada Rampling. Ambos vão além da dignidade em seus momentos em cena e realçam o brilho do todo. Nas áreas técnicas o filme não vai além da burocracia, e conforme dito antes, nada muito diferenciado é proposto justamente porque o filme abre mão da relevância para ser um produto para as massas, diversão garantida com uma pitada de ousadia; ousadia para toda família, precisa ser dito. O sangue é muito, o sexo é quase tímido ao contrário do atribuído, o que reforça o caráter moralista americano, esse sim ainda típico dos 80.
O filme escolhe signos bem batidos da cultura russa (vodka, Bolshoi, os chapéus característicos) pra encenar uma típica aula de geografia 'made in Hollywood', com frieza a decorar os europeus e emoção aos americanos. A exceção é a mocinha Dominika de Jennifer, a jovem mulher nascida russa mas inteligente o suficiente para compreender a diferença entre os dois lados e fazer escolhas que a posicionem corretamente. A atriz, talentosa como é, sabe dissimular e mover suas intenções ao sabor do vento do roteiro, que se julga mais esperto do que na verdade é. Mas se Operação Red Sparrow não for encarado com qualquer obrigação ou pretensão, sobre essa aventura anacrônica, divertida e bem produzida, que serve para passar o tempo, não guardar nenhuma emoção pra si e seguir tendo uma péssima visão da moral americana, apesar de uma ótima do empreendedorismo da máquina de fazer sonhos de Los Angeles. Sonhos furtados da realidade alheia? Sim, mas ainda assim sonhos.
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