Baseado em uma peça teatral, Os Sapos (2025) consegue a dissociação entre os dois veículos graças à câmera dinâmica de Clara Linhart, sua diretora. A diretora de Domingo (2018) emplaca pela segunda vez uma narrativa contada pela voz de um confronto direto que é cozinhado em banho-maria. Esse é o espelho da estrutura dos filmes, que ainda assim não se mostram conectados de outra forma que seja. Enquanto a produção anterior é convencionada pela exposição de seus elementos, aqui temos um grupo pequeno de personagens que escondem seus fantasmas de maneira amarga. Isso não é utilizado pelo filme para lhe dar corpo e voz, já que o título ainda se mostra expansivo, mas carrega no tom de seus tipos diferentes válvulas para a melancolía.
Poderíamos, em tese, chamar Os Sapos de estudo de personagem, mas o que se encaixa mais apropriadamente aqui é uma espécie de estudo de situações, de um tempo em atual mudança, de um campo que não permite mais passividade. Indo para esse espaço de discussão, vemos um microcosmo chegar com a presença de um agente catalisador; no fundo, é como a chegada dos ventos da mudança, da primeira brisa que os chama. É aquele momento exatamente antes da catarse absoluta, que ainda não é o espaço desejado, mas já compromete a compreensão dos espaços. Aos poucos, esse facho de luz deixará de fazer sentido apenas a quem toca, e se mostrará na potência que aqui ainda não é percebida.
Na tela, a câmera literalmente acompanha Paula (Thalita Carauta) da primeira à última imagem de sua rápida jornada, que dura 24 horas, mas que captura o espírito de um tempo prestes a deixar de existir. Não é como se Linhart dissesse que estamos diante de um futuro promissor, não; o gosto que sai dos eventos que acompanhamos é dos piores, e ainda é reiterativo. Mas também se trata de um retrato a respeito de algo tão retrógrado que é capaz de ser percebido com facilidade, inclusive entre quem pratica tais movimentos. É o machismo e a misoginia caminhando de mãos dadas e tendo uma proporção que se expande para além das provocações filmadas, indo até o desconforto mais arraigado dentro de quem presencia tais sequências.
O quadro de leveza que é apresentado deve ser questionado desde o primeiro plano: por que Thalita Carauta é mostrada caminhando sozinha, em linha reta, indo de um lugar desconhecido a outro? A personagem sai detrás de folhagens e é engolida pelo plano, sem descortinar áudio próprio ou função dramática aparente. Conforme avança, uma série de constrangimentos vão sendo lançados na direção do espectador, de uma festa cancelada em que apenas uma convidada aparece até uma segunda festa para a qual todos foram convidados, mas ninguém parece disposto a comparecer. Da ida até a cachoeira até uma paquera improvável, Os Sapos parte de uma ideia reconhecível para lançar o público em um ambiente de dúvida constante até que não haja qualquer segurança com o que vemos.
O ápice dessa exasperação acontece perto de sua metade, quando um ato de violência é perpetrado por uma das personagens à outra, tornando o ambiente que vemos insustentável não apenas para quem o sofreu. Desse momento em diante, não há mais respiração possível para apaziguar o que se vê; estamos diante de uma plataforma de invasão de espaços e de desrespeito criminoso — infelizmente ambos dentro de um padrão já conhecido. Não é o caso de aparentar normalidade diante do horror, mas de saber que todos os dias presenciamos ou sofremos tais normatizações, pequeninas ou grandes. Os Sapos é baseado na peça de Renata Mizrahi, que sofreu na pele o que vemos acontecer; ela e tantos de nós, todos os dias.
Se o elenco é inteiro de qualidade comprovada (Karina Ramil e Paulo Hamilton estão especialmente bem), é difícil se concentrar em Os Sapos ao encarar uma protagonista como Thalita Carauta. Ok, não é a primeira vez — 4x100 (2019), O Silêncio da Chuva (2019), O Lobo Atrás da Porta (2013) já nos mostraram isso. Mas a Paula de Carauta tem, mais uma vez, um cuidado especial dessa atriz gigantesca. São camadas tão bem definidas quanto complementares; é uma linha evolutiva de entrega que eleva o trabalho de todos à sua volta, e a produção em si. Com essa personagem, que é profundamente bem escrita e desenvolvida, Carauta mais uma vez transforma o jogo jogado em uma final de Copa do Mundo, demonstrando que seus gols (são muitos!) conseguem transformar a mensagem de inconformismo diante do machismo estrutural em uma arma incendiária. Ainda à espera da maior onda bater, Paula desfila a posição necessária para o levante da próxima geração, quiçá a nossa, na cara do horror.
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