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Críticas

Cineplayers

Ouro de tolo.

4,0
Durante os anos 1990, a mineradora canadense Bre-X Minerals anunciou ter achado o que seria a maior mina de ouro do mundo, na Indonésia, o que fez com que suas ações subissem exponencialmente, tornando-se por algum tempo o nome mais quente na bolsa de valores de Toronto. O choque foi de escala mundial quando uma auditoria contratada revelou que as tais 850 toneladas do valioso mineral supostamente achado em Busang na verdade não passavam de uma farsa muito bem bolada para supervalorizar as ações da empresa. A descoberta do golpe teve repercussões catastróficas e culminou no suicídio do geólogo encarregado pela expedição inicial. Com inspiração nessa história, que de tão absurda parece mesmo coisa de filme, o diretor Stephen Gaghan apostou todas suas fichas em um trabalho que lembra a dinâmica de um O Lobo de Wall Steet (The Wolf of Wall Street, 2013), acompanhando a ascensão e queda de um homem cheio de ambição e sem nada a perder. 
Ouro e Cobiça (Gold, 2016) é o tipo de filme pensado para Oscar, premiações, porém acabou se tornando um imenso fracasso e passando despercebido. Matthew McConaughey engordou vinte quilos para viver o personagem, abriu mão de toda sua vaidade na certa esperando uma nova indicação ao prêmio, após ter vencido por outro papel histriônico pelo qual também teve de passar por notáveis mudanças físicas, em Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013). Por anos esquecido como galã de comédias românticas insossas, a redescoberta do ator em Killer Joe - Matador de Aluguel (Killer Joe, 2011) o levou a uma meteórica ascensão na indústria, mas hoje ele já parece esgotado e com medo de ser novamente deixado de escanteio. Exagerado, careteiro e cheio de trejeitos e afetações, sua composição em Ouro e Cobiça é toda equivocada, assim como o filme no geral não passa do fruto de uma ambição pueril do diretor em tentar traçar uma jornada com os ares de lendárias produções hollywoodianas filmadas em locações impossíveis. Sem o talento de um Scorsese ou de um Coppola, lhe falta tato para conferir dimensão e peso dramático para a história de amizade e competição entre Kenny Wells (McConaughey) e Michael Acosta (Edgar Ramirez). 

A primeira hora apressada, histérica, parece apenas protocolar e um mal necessário que o diretor se antecipa ao máximo para passar, contando sem muita vontade o período em que Wells e Acosta se conhecem, se estranham, e por fim decidem firmar uma parceria. Acosta empresta o prestígio de seu nome, enquanto Wells corre atrás de financiamento para custear a expedição à Indonésia, também com o propósito de reerguer o nome da empresa de seu pai no ramo, que sua falta de aptidão para os negócios acabou enterrando. Até o momento em que o suposto ouro de fato é encontrado, temos uma narrativa entrecortada, mal editada, com uma pressa que jamais se justifica e não permite qualquer empatia ou interesse pelos dramas pessoais de cada personagem, com direito a passagens de tempo delineadas por trilha sonora de rádio FM da mais ordinária. A preguiça nessa primeira hora é clara e indiscutível. Quando a trama finalmente chega ao ponto de interesse do diretor, no momento da descoberta que marca simultaneamente a ascensão financeira de Wells e sua queda como homem e marido, finalmente a correria se alivia.

A ideia central de Ouro e Cobiça é tratar da corrupção moral trazida pelo dinheiro e pelo sucesso, mas o resultado acaba sendo inexplicavelmente o oposto: uma moral fajuta e ordinária que coloca Wells como vítima e trata do assunto como uma espécie de ode ao valor e dignidade do trabalho, além da total falta de timing e sensibilidade para aproveitar a ironia que aquela farsa toda representou. O fato de também se levar muito a sério e não permitir uma dose de sátira oferecida pelo caso real torna a experiência muito engessada, com um ar de grandeza que chega a ser cômico de tão descabido. 

Gaghan, vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado por Traffic (idem, 2000) e indicado novamente pelo roteiro do interessante Syriana - A Indústria do Petróleo (Syriana, 2005), parece ter desaprendido, fazendo de uma história promissora como essa um verdadeiro desastre enquanto cinema. Nesse mar de equívocos, quem se salva é Edgar Ramirez, que consegue conferir dignidade e interesse ao seu papel e de certa forma compensa a presença irritante e exibicionista de McCounaughey. Bryce Dallas Howard faz o melhor, mas não tem peso o suficiente, servindo de pêndulo moral que contrapõe a ganância de Wells – ou o papel feminino padrão nesse tipo de filme. A opção de ambientar tudo nos EUA e nos anos 1980 também não se justifica e as narrações em off são sempre redundantes e quase cômicas de tão pretensiosas em sua prosa. A proposta de mostrar o quanto as ilusões que o dinheiro traz são passageiras e que tudo pode não passar de um castelo de areia acaba por se virar contra os próprios realizadores do filme e expor o quão nociva e lamentável pode ser a sede por uma nova indicação a qualquer prêmio que seja. 

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