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Críticas

Cineplayers

Aproveitando a premissa de Janela Indiscreta, constrói um bonitinho drama de meia idade.

5,0

Regina (Fernanda Montenegro, de Central do Brasil) é uma senhora solitária, irônica, sincera e que para esquecer sua solidão participa de um trabalho voluntário de informações em Copacabana, onde mora com seu vira-latas sozinha. Essa solidão é retratada de maneira extremamente competente pelo filme que, por não haver narração, exige atenção e certa dose de interpretação de quem o estiver assistindo. Pode parecer que algumas de suas cenas são gratuitas (onde a história não evolui, apenas ilustram certas características dos personagens ou locações), porém essas cenas retratam bem o psicológico de Regina. Com o desenrolar da história, passamos a entender melhor suas motivações e atitudes. Quando ela liga para seu próprio cachorro para contar que salvou uma senhora de um assalto, abismada, é triste ver que aquela senhora, cheia de energia e determinação, simplesmente não tinha mais ninguém com quem compartilhar o fato.

Durante as noites Regina fica bisbilhotando com seus binóculos os apartamentos dos vizinhos dos prédios em frente ao seu, em busca de informações, ou por simplesmente não ter mais o que fazer. Ela chega a adormecer algumas vezes ali, sentada naquela cadeira. Em uma dessas noites, ela assiste um marido aplicando uma injeção em sua esposa doente e, pouco tempo depois, o mesmo constatando sua morte. Regina liga para a polícia (por causa de seu serviço) e esta invade o apartamento do vizinho. Quando o laudo da morte da mulher aponta morte natural, e não de uma injeção letal, Regina mergulha em uma investigação para provar o que viu.

A inspiração em Janela Indiscreta, do mestre Alfred Hitchcock, é muito clara, principalmente quando lida a sinopse, porém o filme tem um desenvolvimento completamente diferente, apenas a premissa é a mesma. Nem mesmo os personagens são parecidos, já que James Stewart era um repórter fã de emoção condenado a ficar algumas semanas "de molho" após quebrar uma de suas pernas ao tirar uma foto de um acidente de carro. Nesse caso, ele tinha visitas, companhia, ligações, ficava apenas ali por incapacidade física mesmo, e é isso que Hitchcock trabalhou, o mergulho do personagem, o mesmo voyeurismo que sentimos ao assistir a um filme. Só que em O Outro Lado da Rua não é esse lado o explorado, e sim a solidão de Regina e sua força de vontade de provar sua competência no que faz.

Regina então parte para uma aproximação com Camargo, o suposto assassino. Com o desenrolar da história, Regina encontra-se em uma encruzilhada: entregar o homem com quem mais teve relações nos últimos tempos e voltar para a solidão ou continuar a desenvolver esse relacionamento que vai ganhando mais dimensão a cada dia que passa? E é aí que entra o grande problema do filme: há uma indecisão por parte do diretor quanto aos rumos que seu filme irá tomar. Se é óbvio o que vimos quanto a Camargo e sua esposa, por que insistir em um mistério e uma investigação totalmente banais e desinteressantes? Tudo o que é construído entre Regina e Camargo é muito mais interessante, mas perde a força por ter de dividir tempo e espaço com essa trama policial.

Um exemplo de como tudo funcionaria melhor se o foco fosse apenas o relacionamento entre os dois é a cena em que Regina e Camargo irão ter sua "primeira vez". Mais uma vez é impressionante ver Regina questionando se eles devem ou não fazer aquilo, com vergonha de seu corpo, sua idade, suas marcas da vida. Esse tipo de cena, forte, se mistura com cenas onde ela ainda questiona o que viu, como quando vê um menino assaltando um homem em um semáforo na rua. Ela estaria ficando louca ou realmente havia visto aquilo no apartamento? O agravante é que o filme procura responder a essa questão no final, o que confirma toda a intenção da trama policial desde o início. Pelo menos o final do filme, os últimos segundos, são bem bonitos e ternos, fazendo jus a tudo o que os personagens viveram no decorrer da história.

Fernanda Montenegro mais uma vez dá um show de interpretação ao encarnar Regina. A atriz consegue passar com o olhar a solidão e a angústia em que sua personagem vive. A cena em que ela questiona o fato de senhores e senhoras da idade dela ficarem sem fazer nada na praça, jogando dama ou tricotando é ótima, para citar um exemplo. Porém, sua interpretação acabou prejudicada com a péssima dublagem e diálogos do filme, perdendo um pouco da naturalidade que sua personagem tanto necessitava. Nesse ponto, quem se saiu melhor foi seu companheiro de cena Raul Cortez, sempre firme e seguro durante suas cenas, inclusive nessas dubladas. Laura Cardoso faz uma pequena participação com uma personagem pela qual Regina se espelha e acaba se identificando.

Talvez pela falta de experiência do diretor (esse é seu filme de estréia), O Outro Lado da Rua tenha ficado com um ritmo prejudicado. A fotografia é esplêndida. Ela não é complexa ou inovadora, mas funcional ao extremo, com luzes belíssimas que criam todo o contraste que o filme pedia. O filme, aliás, foi premiado em alguns festivais nacionais e internacionais. Infelizmente não consegui aproveitar tanto assim essa bela relação de renascimento entre Regina e Camargo.

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