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Pacificado

(Pacificado, 2019)
6,3
Média
4 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Entendimento inesperado

6,0

Jaca está prestes a sair da cadeia. Do lado de fora, o esperam sua filha Tati, a mãe dela Andrea, seu irmão Dudu, sua avó D. Preta, e um novo mundo. Disposto a se recuperar, a vida de crime ficou pra trás e agora ele quer se dedicar à culinária, mais especificamente, à pizzaria que quer montar. Mas todos que o cercam vivem à margem da sociedade e estão à beira do abismo criminal. Sua esperança é redescobrir a relação com a filha e fazer disso um mote para ambos. Mas na estreia do diretor americano Paxton Winters na realidade brasileira, esse filme coproduzido por Darren Aronofsky, cheio de ritmo e de coloração inusitada, mostra uma sensibilidade rara de compreensão de uma cultura diversa pelo realizador, que assusta o espectador pelo grau de envolvimento e veracidade em detalhes. O resultado foi a Concha de Ouro no Festival de San Sebastian, prêmio inédito pro nosso cinema. 

Paxton Winters viveu por quase 10 anos no Morro dos Prazeres, e com toda certeza assistiu à criação de códigos morais dentre daquele microcosmo que lhe deram cabedal para investir na claustrofóbica jornada de Tati durante pouco tempo, da apreensão pela volta do pai até a descoberta de uma novidade que mudará sua vida ao final, uma típica adolescente residente em comunidade carioca, com mais sutilezas e acertos do que com estereótipos. Ao investir numa empreitada na qual poderia ser acusado até de roubo de lugar de fala, Winters enfrenta as possíveis críticas de peito aberto, entregando um bom filme que apresenta texturas e caminhos, mesmo que alguns deles já conheçamos de outros lugares.

O filme expõe a linguagem das comunidades cariocas com perfeição, um trabalho de submersão no universo retratado que assombra pelo detalhe, tanto da prosódia de cada ator quanto no trabalho corporal, nas referências estéticas para seus personagens, que cria uma atmosfera de profunda veracidade com a qual o espectador eventualmente mergulha. A direção de arte também colore esse mosaico de intenções de maneira acertada, decorando cada espaço com a crueza necessária para transformar os atores em objetos animados desse grande cenário humano. Tudo é orgânico visualmente e sua concepção faz parte do quadro que o filme pinta sobre aquele retorno, aquelas organizações e aquelas tentativas de afetos em alguma parte explícitas.

Narrativamente, o filme mostra um recorte carioca (e social) ainda pouco explorado pelo cinema: o olhar civil diante da guerra do tráfico, as pessoas que não representam nenhum poder e constantemente estão na linha de fogo. Ainda que o lado criminoso tenha força e espaço dentro do roteiro, o foco principal é o da família disfuncional no meio do fogo cruzado, cujos sonhos são calados diante do horror que as oprime. Apesar desse viés rico, o desenho das personagens ocorre dentro do esperado e suas situações também não ocupam um lugar de novidade, ainda que tudo seja realizado dentro de um campo de coerência e naturalidade. Ou seja, apesar de bem escrito, o que salta aos olhos em Pacificado é a compreensão espacial que Winters tem, inclusive no que concerne ao trabalho do corpo dos atores dentro de cada cena e ambiente. 

Um elenco impressionante adorna o filme, tais como a estreante Cássia Nascimento, o veterano Bukassa Kabengele finalmente sendo reconhecido (e premiado) e a assustadora performance de Débora Nascimento, que nunca esteve tão entregue, humana e caprichosa em seu ofício. Winters usa e abusa dos recursos conseguidos por eles e por todo o grupo. Um trabalho inesperado de compreensão do nosso complexo arregimento social, em conjunto por todas as áreas.

Crítica da cobertura da 43ª Mostra de São Paulo

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