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Pão e Gente

(Pão e Gente, 2020)
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Críticas

Cineplayers

Brecht atemporal

5,5

Com uma disposição ainda maior do que anteriormente para o lado de Bertolt Brecht e sua prosa política, Renan Rovida, de maneira explícita, parte do pressuposto de que pouco mudou entre a realidade de uma obra do escritor e os dias de hoje, então as atmosferas serão amalgamadas em cena literalmente. Isso poderia render uma elaboração do modo de exploração trabalhista ainda vigente, ou se perceber com clareza o efeito dominó das ações e reações no sempre complexo terreno das relações humanas, mas uma opção por um certo rebuscamento cerceia Pão e Gente (2020).

Sentados numa viela, os atores ora dão continuidade ali às suas falas encenadas, ora debatem o bastidor das cenas de alguma forma ainda inseridos nelas. Esses representam grandes momentos dos filmes, quando as marcações de cenas estão menos convencionalizadas, e por si só permitem uma espontaneidade maior não muita, só o suficiente para respirar.

A demonstração da teatralidade daquele contexto provoca uma estranheza que não necessariamente é positiva para o projeto, dando toda glória ao texto e sua atemporalidade, mas não encontra hiato com a naturalidade seu "cavalo" o ator. Não há desleixo na condução dessa "ferramenta" (o ator), mas também não sinto liberdade para o mesmo entregar o material humano necessário para que esse mesmo texto não sejam apenas palavras ditas sem entusiasmo uniforme e à espera de um propósito.

Como autor, talvez Renan não necessariamente tenha encontrado o espaço adequado para desenvolver sua encenação propriamente dita, embora sua mensagem não tenha qualquer resquício de envelhecimento (no caso, de Brecht) e é positivo que ele ressalte o anacronismo ali para que o recheio atemporal se torne mais evidente. Mas as características teatrais inerentes a própria encenação provoca um distanciamento tão grande quanto parece deslocada.

Do grupo de atores, ao menos Rani Guerra se sobressai todo o tempo, com resultados sempre comprometidos com o projeto, ou ao menos fazendo uma bela ponte com as inúmeras possibilidades à mão - o resto do elenco é mais irregular em seus próprios lugares. O trabalho fotográfico de Giovanna Pezzo também se destaca para além do p&b, marcando os espaços e as ações dos atores com uma estrutura que possibilita amplitude no olhar.

O novo filme de Renan Rovida (do pungente) se não acerta em todos os botões que tenta apertar, ainda assim é um projeto inquietado que transmite os anseios de seu autor por um cinema menos sossegado, talhado para o conformismo. Pelo contrário até, é uma visão empática sobre o mundo ao redor e irrequieta sobre a prática do fazer cinematográfico. 

Crítica da cobertura da 23ª Mostra de Tiradentes

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