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Críticas

Cineplayers

Espécie de novela Malhação versão pseudopsicodélica, a única coisa interessante no filme são os belos seios da atriz Nathalia Dill.

3,0

Paraísos Artificiais (idem, 2012) irrita, antes de tudo, por estar fora de sua época. Já estreia nos cinemas atrasado, é um filme de temática absolutamente defasada. Faria mais sentido em meados dos anos 90, ali no auge da era das festas raves, quando a música eletrônica era a bola da vez, e filmes descolados como o inglês Trainspotting – Sem Limites (Trainspotting, 1996) e o alemão Corra, Lola, Corra (Lola Rennt, 1998) eram as novidades, longas de ritmo frenético narrados por batidas eletrônicas, e que se tornariam objetos de culto. Aquele tempo acabou, e esse retrato da juventude talvez só exista ainda, assim como apresentado no filme, na mente delirante do diretor Marcos Prado – que chegou até a incluir de lambuja uma aura hipponga constrangedora, com direito a flower power em diversas cenas e figurinos. Ao invés de sugerir um retrato fidedigno da juventude atual, está mais para nostalgia de tiozinho desantenado na casa dos 50 anos, saudosista de loucas festinhas juvenis.

É certo que o envolvimento dos jovens com as drogas permanece, tal como o mercado internacional e bilionário do ecstasy, e festas raves ainda representam um segmento – a trilha do filme conta com nomes de relevância da cena atual, como Gui Boratto. Entretanto, há um equívoco na sua urgência em refletir a cultura contemporânea: o contexto brasileiro atual é o do milagre econômico da classe C, do triunfo do popularesco, a hegemonia do PT com seu populismo, endossado de forma entusiasmada até pela dita elite brasileira. A visão extremamente romantizada da juventude projetada no longa, sedenta por liberdade, transgressão, drogas lisérgicas e autoconhecimento, é um contraste absoluto com o verdadeiro momento presente, de jovens que estão, em massa, frequentando casas de sertanejo embaladas por lixos culturais como “Ai, se eu te pego”, “tchê tchêrerê tchê tchê” e “tchum tchá”, venerando porta vozes de sua geração, gente do calibre de  Michel Teló, Gusttavo Lima ou Luan Santanna. Existe a pressão do mercado publicitário, é uma fatia de mercado consumidora relevante – não por acaso agora as telenovelas são protagonizadas por empregadas domésticas e encanadoras em ascenção.

Tal como se estivéssemos há pelo menos duas longínquas décadas, muitos anos antes desta época em que as pessoas se fecham em suas casas para buscar identidade e autoafirmação em perfis vexaminosos de redes sociais, somos apresentados a DJ Érika (Nathalia Dill, belíssima em todos os momentos), brasileira que está em Amsterdã, seguindo sua carreira internacional no mundo da música eletrônica, em festas e raves regadas a muitas drogas alucinógenas, como “balas”, “doces” e “gotas” – sendo a pílula do ecstasy o epicentro de todo esse cardápio. Ela encontra Nando (Luca Bianchi, inexpressivo), surge a atração, o inevitável flerte, e fica evidente que um tórrido romance estará por vir. Se não fosse conturbado pelo passado macabro e misterioso de ambos, que vai sendo revelado de forma mal articulada e editada até o final da exibição, numa conclusão de enredo digna de um melodrama de telenovela mexicana, afinal, o casal já havia se conhecido dois anos antes no Brasil. E existia uma terceira “persona”, completando um bizarro triangulo amoroso (parafraseando Bergman e New Order): a impetuosa Lara (Lívia Bueno, insossa neste papel).

O que, de princípio, se pressupõe para um filme que aborda o consumo e o efeito drogas, é sobretudo um formato de cinema diferenciado, que represente em linguagem esse aspecto. Os realizadores provavelmente assim planejaram, e partiram dessa prerrogativa, porém obtiveram um resultado absolutamente previsível e infeliz. Como já é de praxe em pretensos filmes cult, ditos de arte, a narrativa não é apresentada de forma linear – há um vai e vem constante entre passado e presente. Muito mais do que refletir uma forma cinematográfica para um filme de tema transgressor, o flashback aqui serve de muleta, um cacoete barato, um recurso autoexplicativo, onde todas as atitudes dos personagens encontram sua justificativa em um passado sofrido. É a psicologização dos personagens da forma mais rasteira possível. Motivações medíocres dos atos de cada um são imediatamente legitimadas pela apresentação de acontecimentos anteriores, e que ainda visam dar uma moral edificante à história. O rumo de cada personagem é explicado seguindo uma lógica de causa e efeito, tomando para si a cartilha de excrescências de filmes deploráveis como Efeito Borboleta (Butterfly Effect, 2004). Chega a ser pior nesse sentido do que a enrolação do seriado Lost. As intenções e propósito de cada um, assim como uma ideia fajuta de sentido de existência, são revelados como resultantes de uma filosofia banal, superficial, de botequim.

Não obstante, o almejado tom psicodélico das sequências nas raves são dadas por meio de cenas em slow motion pouco convincentes (recurso óbvio), aliadas com a trilha adequada para cada momento - hora são as batidas de música eletrônica que se mesclam com o som da pulsação do coração (alguma novidade?), em outros uma guitarra solitária, reverberada, para pontuar a melancolia e a solidão de forma persistente e redundante durante todo o filme. A fotografia de Lula Carvalho é competente, é inegável que existam belíssimos planos e cenas muito bem iluminadas (ele é talvez o maior nome da direção de fotografia no país atualmente), mas o resultado como um todo é burocrático, insípido, constantemente falso e armado, assim como a direção de arte. Psicodelia de fachada. Não consegue encontrar o tom, pois jamais o espectador irá embarcar na vibe dos personagens plenamente, no teor soturno e na densidade que caberia a uma trama dessa natureza – o negócio acaba descambando para um clima de Malhação o tempo todo.

Muitos aspectos contribuem para o desastre total. Os personagens são rasos e vagos, além do  roteiro ser todo truncado, sem fluidez, concisão ou densidade alguma – há sequências absolutamente longas e descartáveis em boa parte da obra. O enredo está à deriva, e tudo se concluí no final da forma mais vil possível. A tensa relação entre Nando e seu irmão mais novo Lipe (César Cardadeiro) está para um O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish, 1983) diluído a folhetim, emulando ainda A Outra História Americana (American History X, 1998) de maneira torpe. Embora a preparação do elenco tenha ficado a cargo de Fátima Toledo, os diálogos e atuações são pouco críveis, forçados, sem a menor naturalidade, resultado de uma direção de cena desleixada e um roteiro amador – a atuação de Roney Villela como o velho bicho grilo Mark é uma das coisas mais ridículas vistas no cinema nos últimos anos. Vergonha alheia em níveis máximos.

Não surpreende que José Padilha esteja por trás do projeto. Em suma, fica claro, principalmente nos minutos finais, onde resolveram explicar didaticamente a moral da história, o panfletarismo reacionário dos superestimados Tropa de Elite (idem, 2007) – o discurso de que há uma organização capitalista do mal que lucra com as drogas, que se aproveita da juventude alienada e pequeno burguesa, causando a degradação familiar, o distanciamento de pais e filhos. A união da família harmoniosa como antídoto à barbárie. Não por acaso, essa retórica moralizante sobre as drogas fez de Tropa de Elite o maior sucesso de bilheteria do Brasil, haja visto os presidentes e políticos que a população deste país elegeu, tão chegados a discursos maniqueístas, inflamados e cheio de metáforas.

Marcos Prado revelou em uma entrevista promocional que o cinema nacional é muito careta, portanto precisava de um Paraísos Artificiais. Mas o que garante um cinema não careta? Jovens usando drogas? Cenas de sexo lesbiano explícito? Ménage à trois? Tragicamente o resultado é um filme vazio, um polemista fácil, como se insistir em mostrar os atraentes seios da Nathalia Dill endossassem um cinema de arte, a ousadia, a quebra de tabus e paradigmas – talvez seja transgressor só para aqueles que nunca estiveram diante de mamilos femininos. Poucas vezes se viu tantos closes, tantos planos detalhes de mamilos. Mas não há novidade nenhuma aí. Marcos Prado não é um Pier Paolo Pasolini, e o filme é uma coprodução da Globo Filmes, esta que, infelizmente, em alguns casos parece até uma espécie de Rei Midas ao inverso do cinema nacional.

A dualidade entre cinema e drogas já rendeu grandes obras para o cinema, afinal, a própria natureza da projeção de imagens em movimento numa tela dentro de uma sala escura durante horas, com sua inevitável suspensão da realidade, tem seu caráter onírico. Há representantes interessantes em todas as épocas – indo do obscuro britânico Performance (idem, 1968), estrelado por Mick Jagger, como também o francês More (idem, 1969), sobre o casal viciado em heroína – aliás, primeiro filme com a trilha do Pink Floyd. Outro que fez história é o bem humorado e escrachado Jovens, Loucos e Rebeldes (Dazed and Confused, 1993), de Richard Linklater – trabalho cultuadíssimo por Tarantino. Há exemplos mais recentes como Medo e Delírio (Fear and Loathing in Las Vegas, 1998) e Requiem para um Sonho (Requiem for a Dream, 2000). O cinema mudou após a geração dos anos 60 e 70, em clássicos como Sem Destino (Easy Rider, 1969) e O Expresso da Meia-Noite (Midnight Express, 1978), influências descaradas para este longa nacional, que falavam do uso de drogas abertamente e suas consequências. Além de demagogo, Paraísos Artificiais é de efeito contrário, tal como uma espécie de Diário de um Adolescente (The Basketball Diaries, 1995)  brasileiro: didático, inverossímil e piegas, incapaz de levar o espectador a  alguma experiência elevada, sensorial – o que dirá transcendental. É o filme mais careta do ano.

Comentários (28)

Mauricio Flora | segunda-feira, 27 de Agosto de 2012 - 22:34

que crítica de merda, o cara não sabe o que fala. hahaha!

Eduardo da Silveira | segunda-feira, 10 de Setembro de 2012 - 08:22

"E sim, os seios da atriz são imperdíveis. Vale a pena assistir só por eles."

Infantilidade + falta de conteúdo = frase acima.

Esse tipo de gente merece filme do Didi, da Eliana, ou "Paraísos Artificiais". O filme pode ser um lixo, mas se aparecer um seio, Jesus, apareceu o novo vencedor de Cannes!

Como dizia o Nelson Rodrigues, "meninos, envelheçam!".


Paulo Soares | segunda-feira, 10 de Dezembro de 2012 - 00:18

Excelente crítica. Concordo com a avaliação técnica do filme. O sarcasmo presente na crítica é de alto nível.

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