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Críticas

Cineplayers

Um filme-mosaico de um diretor que ainda precisa amadurecer.

5,0

Para um diretor jovem como Cédric Kaplisch, sua filmografia é relativamente longa, composta por mais de 10 produções, entre longas e curtas-metragens. Apesar disso, seu nome só se tornou mais conhecido do público do cinema alternativo a partir de seus dois últimos – e já antigos – trabalhos: Albergue Espanhol, de 2002, e sua continuação, Bonecas Russas, de 2006. Se a qualidade de ambos sempre foi supervalorizada, ao menos eles foram os primeiros a abordar, pelo viés do intercâmbio estudantil de jovens na faixa dos 20 anos, a temática da instituição da comunidade européia.

Agora, um ano depois da sua estréia na França, Klapisch volta a dar as caras pelas telas brasileiras, dessa vez com Paris, seu mais recente trabalho.

Paris retrata a vida de vários personagens que se cruzam por acaso ao redor da Cidade Luz. O principal deles é Pierre (Romain Duris, parceiro habitual do diretor), um dançarino que descobre ser portador de uma doença grave no coração. Sua saúde vai ficando debilitada. Incapaz de praticar tarefas que demandem esforço físico, ele é obrigado a deixar sua profissão. Até mesmo subir as escadas de seu apartamento passa a ser um desafio. Durante seu calvário, Pierre se limita a ficar olhando o movimento das pessoas da sacada de seu apartamento. Ele troca sua vida pela vida dos outros.

A principal companheira de Pierre é sua irmã, Élise (Juliette Binoche). Mãe de três filhos, fruto de dois casamentos fracassados, Élise trabalha como assistente social. Ao saber do estado de saúde de seu irmão, ela resolve se mudar, de mala, cuia e filhos para o apartamento dele.

Todas as manhãs, Élise vai à feira e lá observa a disputa entre os donos das barracas. Um deles é Jean (Albert Dupontel), que trabalha com sua ex-mulher Caroline (Julie Ferrier). Jean dedica especial atenção à Élise, sempre a atendendo com carinho maior do que um simples vendedor de frutas e legumes.

Incapaz de sair de casa e solitário, Pierre fantasia um relacionamento com sua vizinha Laetitia (Melanie Laurent), que reside no apartamento em frente ao seu. Ela é estudante. Durante as aulas, sua beleza chama a atenção do professor de história Roland (Fabrice Luchini). Roland, por sua vez, parece não levar sua profissão muito a sério e vê com ceticismo todos aqueles fatos e datas que sua profissão o obriga a decorar. Ele tem um irmão, Philippe (François Cluzet), um arquiteto bem casado e prestes a ser pai.

Completam o mosaico personagens menores, como a dona da padaria, interpretada por Karin Viard, que não se conforma com falta de capacidade de trabalho das candidatas à vaga em seu estabelecimento; o lixeiro camaronês Benoit, que tenta trazer seu irmão Mourad da África para a França; e um mendigo que teima em assobiar para as mulheres na rua.

Não é à toa que, com tantas pessoas se cruzando pela tela, Paris nos remeta aos filmes de Robert Altman e Paul Thomas Anderson. De fato, os primeiros cinco minutos de Paris, em que Klapisch apresenta rapidamente todos os seus personagens antes mesmo do encerramento dos créditos de abertura, lembra muito Magnólia.

Infelizmente as boas recordações se encerram por aí. Ao longo do desenvolvimento de cada uma das histórias, Paris vai se tornando  paulatinamente mais e mais desinteressante. Para quem começara a projeção com tamanha energia e ambição, é espantoso como Klapisch mostra que, no fundo, não tem muito o que dizer sobre aqueles seres humanos. Seus dramas são absolutamente banais. O roteiro – também de autoria do diretor – não colabora em intensificar os conflitos entre os personagens. Com 15 minutos de duração, o filme já perdeu praticamente todo seu fôlego inicial.

Para piorar, Paris ressente-se de um problema típico desses chamados filmes-mosaico: a inadequada construção dos personagens. Essa imperfeição decorre de um fato até mesmo óbvio: espremidos pelas duas horas de projeção (no caso 2h10min), eles não têm tempo de tela suficiente para que o público os conheça melhor, e passe a acreditar, a se interessar e a torcer pelos seus destinos. Basta nos indagarmos: o que sabemos de Pierre, além da sua profissão e da sua doença? E sobre Élise? Ela é mãe de três filhos e nenhum de seus casamentos deu certo. Mas isso a define? E o que pensam aqueles feirantes? E os irmãos Roland e Philippe? O pai deles morre logo no início da fita, mas em que isso contribui para a evolução de ambos ao longo da trama? Para driblar esse problema, talvez a solução fosse reduzir o número de personagens (como Altman fez em O Jogador) ou, se o dinheiro não acabar no meio da produção, estender o tempo de duração do filme (como o mesmo Altman fez em Short Cuts - Cenas da Vida).

Além disso, há um excesso de histórias interligadas, o que torna as partes melhores que o todo (o que também não deixa de ser outro defeito comum em filmes desse tipo). Algumas das tramas são melhores do que outras  (o drama particular de Élise, por exemplo, é mais interessante do que o de seu irmão), há passagens simplesmente desnecessárias (como as do mendigo, da dona da padaria, e a estranha seqüência em que os feirantes se envolvem com algumas modelos no mercado municipal), e a conexão entre elas por vezes parece forçada (o imigrante camaronês e a modelo francesa).

Como já demonstrara em Albergue Espanhol, Klapisch não é exatamente um diretor que prime por um estilo próprio de filmar. Ele parece acreditar que qualquer firula cinematográfica possa tirar a atenção do público de aspectos mais importantes do filme, como o roteiro e os atores. Ok, até mesmo Billy Wilder rezava por essa cartilha. Mas isso poderia ao menos impedir quel lançasse mão de algumas opções visuais um tanto quanto pobres (como o paralelo entre o estado de saúde de Pierre com as folhas de outono que caem ao chão) ou criar situações clichês (até quando os filmes franceses vão mostrar personagens em estado terminal fazendo festas e se reunindo com amigos?).

Por fim, para um filme que se intitula Paris, era de se esperar que a cidade se tornasse a verdadeira protagonista da história (como, por exemplo, em Manhattan, de Woody Allen, ou Roma, de Fellini). No entanto é surpreendente o modo como Klapisch a exclui do contexto. Os dramas dos personagens são ambientados em interiores de casas, apartamentos, bibliotecas e bares. Sim, a velha e boa Torre Eiffel está lá. Assim como o Sacre Coeur e o Moulin Rouge. Mas a alma da cidade, não. Há mais de Barcelona em  Albergue Espanhol do que de Paris em Paris.

Mas nem tudo é desastre. Há bons momentos como o curioso diálogo entre Roland e seu psiquiatra, bem escrito, interpretado e filmado. Roland volta a protagonizar outro instante de interesse, quando, rejuvenescido pela paixão, dança aos olhos da sua nova namorada. E o sonho de Philippe com a maquete virtual do apartamento que está construindo. Além disso, os atores são todos do primeiro time, e fazem o possível para defender seus personagens mesmo diante das limitações do roteiro. O destaque vai mais uma vez para a sempre confiável Juliette Binoche. No papel de Élise, a atriz parece sedimentar uma nova fase em sua carreira, de personagens mais relaxados, humanos e menos neuróticos (vide seus mais recentes trabalhos em Invasão de Domicilio, A Viagem do Balão Vermelho e Horas de Verão). Binoche é uma espécie de Meryl Streep francesa. O filme pode ser ruim. Ela, não.

No resumo da ópera, Paris fica num meio termo. Assim como Albergue Espanhol e Bonecas Russas, Paris é um filme que não dói. Não é bom, mas está longe de ser uma tragédia. Vê-se e dele se esquece antes de se chegar em casa. Justamente para não se tornar um cineasta tão descartável assim, Klapisch deve repensar sua carreira e amadurecer como diretor. O público dirá merci beaucoup.

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