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Críticas

Cineplayers

Luta pela memória.

6,5
Ainda que não apresente um universo muito diferente no conceito de documentário, o longa de Fabiana Assis é uma assustadora denúncia, se apresenta como tal, funciona e horroriza. É na verdade espantoso que algo dessa categoria tenha acontecido há 13 anos atrás e isso não repercuta como deve no país, ou não repercuta nada. Já vindo de um curta sobre o mesmo tema (Real Conquista), Fabiana achou que devia mais e provavelmente achou correto. Quando mais de 3.000 casas são demolidas e o mesmo número de famílias tem suas vidas destruídas pelo simples querer do governo, que controla e tenta transformar um bairro inteiro em marionetes, não há grito suficiente pra alertar tamanho horror.

E é isso que talvez sua diretora faça de melhor. Munida de filmagens em celular de várias das pessoas que foram violadas pelo governo de Goiás, Fabiana constrói a partir do dia da violência em forma de desapropriação momentos dignos dos mais apavorantes filmes de terror no estilo 'found footage'. O filme monta essas imagens, onde inclusive foram oficialmente assassinados dois moradores, com coerência e talento, mostrando a zona de guerra que a polícia transformou um ambiente pacífico, e em alguns momentos chegamos a nos indagar se na verdade não se trata de uma produção típica de gênero, tamanho é o sentido de pânico que aquelas pessoas se veem imersas, levando o espectador junto àquela casa prestes a ser invadida.

O filme segue os passos de Eronilde, a viúva de um dos homens assassinados naquele dia. Sua vida mudou completamente desde então, e hoje ela só vê sentido se continuar lutando em movimentos sociais ligados à periferia. A câmera a segue quando ela vai até o local onde ficava o Parque Oeste e hoje está semi abandonado, pronto para se transformar num condomínio que nunca aconteceu. Eronilde agora luta pelo Real Conquista, o lugar que hoje já chama de seu. Mas ela quer melhorar mais seu entorno, ainda que todas as lutas sejam sempre muito duras. O filme se ressente em dar foco exclusivo a ela, ainda mais quando há um outro núcleo tão rico quanto o dela e tão próximo. Talvez o volume desse uma dimensão ainda mais aterradora da insanidade cometida contra todo um lugar, ainda que sua personagem tenha carisma e uma posição de destaque adquirido dentro daquela sociedade.

O momento mais emocionante do filme talvez seja quando Eronilde conta de sua prisão, e relembra da emoção da policial feminina que a prendeu. Dona de uma força tranquila, o filme se encerra mostrando que o governo arrisca voltar a expulsar as pessoas daquele novo lugar, e de como a confiança deles inexiste hoje. As últimas imagens contemplam a heroína da produção fazendo massa de cimento para criar na sua própria nova residência um espaço comunitário infantil. Sua luta para impedir o esquecimento do massacre ocorrido é sua principal meta e também seu lema de vida, um exemplo de perseverança que Fabiana Assis segue com respeito e clara admiração.

Filme visto no Festival de Cinema de Brasília

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